sábado, 1 de julho de 2023

O MENINO E A DITADURA

Eu também não sabia bem o que estava ocorrendo, só via os jatos dando voos rasantes e de maneira muito intensa, o colégio que eu estudava ficava nos fundos do campo de pouso da aeronáutica, Colégio Agrícola Daniel de Oliveira Paiva (CADOP) e tínhamos um grêmio estudantil, com um presidente chamado Paulo Guedes. Paulo tinha uma liderança muito forte, com ele aprendemos a ver com outra ótica as questões políticas, e começamos a entender o que estava acontecendo.

De uma  maneira pueril entendíamos que os militares  eram os malvados e os perseguidos os mocinhos. Com toda esta carga de irracionalidade dos militares eu só não entrei para nenhum grupo contrário porque não tinha conhecidos muito atuantes, era um menino e nossa contestação se reduzia a um pequeno grupo de amigos que faziam parte do teatro amador.

Num belo dia, próximo das férias,  chegaram os militares no colégio para falar sobre  nosso alistamento, foi a gota d'água, demos uma violenta vaia no tenente e dissemos que não queríamos armas e nem aprender a torturar e matar estudantes, a coisa ficou preta, este tenente arregalou os olhos, deu uma violenta descompostura na turma e no meu caso especial por ser o metido,  disse que ia me pegar, ameaçou outros da mesma maneira e foi novamente vaiado. O alistamento não terminou em detenção porque éramos menores, mas deixamos o diretor em maus lençóis e o Paulo Guedes do Grêmio Estudantil sumiu por um tempo. A situação ficou tão horrível que não ganhamos  nossa carteira, a famosa terceira que dava dispensa de servir as forças armadas. Não pude jurar a bandeira (se o tenente me visse estava ferrado), meu pai me enviou para umas férias na casa do vô João em Santa Catarina. O meu avô Chico (parte de mãe) que era muito político, conseguiu a minha famosa terceira com o Deputado Brusa Netto de Porto Alegre, e eu sempre de olho,  durante muito tempo me cuidando do tal tenente.

 Bem a pouco tempo tive noticias que o Paulo Guedes morreu, trabalhou numa multinacional, político e  prefeito de um município do interior do Rio Grande do Sul. Eu me transformei num leitor dos escritores marxistas, história, filosofia e sociologia, aprendi que um não pode comer e o outro  ficar olhando, entendi a ver melhor que a transformação da sociedade  só poderá acontecer e se caracterizar pela ideia  através da distribuição equilibrada  de riquezas e propriedades, diminuindo a distância entre ricos e pobres. Encontrei o pessoal da esquerda festiva (como dizia o Lacerda) e nunca mais fui o mesmo e se alguma coisa valeu na minha vida foi esta transformação, que me ensinou a gostar de poesias, arte, músicas de qualidade, sensibilidade e mais humano, "demasiado humano" como dizia Nietszche. Sds. Jaime

 

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