sábado, 5 de setembro de 2015


Festa no Vilarejo do Morro das Mortes

Praça do interior
Domingo de festa
Foguetes riscam os céus
Estouram nos ares
Acordando ladinos tabaréus.

Muita gente
Pouco salão
Sorrisos gratuitos
Tapinhas nas costas
Dos falsos políticos.

O eco nos morros avisa
A procissão da tristeza
Que cantam
Com vozes comovidas
Ave Marias em coro
Embaixo do sol ardente.

Caminham no repique do sino
E perdem a tradição
Sem Terno de Reis ou Entrudo
Sem cantorias do Divino
De Judas e Malhação
Sem Terça-Feira Gorda
Agora tão Conectados
Ofilaine
Internet
Feicibuque
Num chat com Carolaine
Webecam.

Para quem pode
Skype e Google
E celular com andróide.
Curtindo um pagode danado
No pen-drive envenenado
É a cybercultura
Sociedade virtual
“Modernidade líquida”
Que chegou ao arraial.

Onde agroboys desfilam
Com seus carros adesivados
Num som pobre e ingênuo
Na sua nave street-sound.
Para agrogirls desiguais
Numa moda sem igual
Imposta pela comunicação
Biquinho pra selfie
Posse de televisão.

Interior inocência
Chique pobre latino
Mexericar a indecência
Cultura e distorção
Had Not ou redinoti
Com muita americanização.

Interior de festas
Misturas de simplicidade
Com passos ensaiados
Ingênuo e malicioso
Vaidades e manias
Esforço para tornar belo
Disparidade, tudo igual
Maluco este natural.

Praça do interior
Baile de festa
A melhor pose
Indiferentes
Meninos tímidos
Tolos, abusados
Ajeitados
Cara de mau
Uau.

Meninas maquiadas
Caras viradas
Empinadas
Passantes
Jurgadas *
Pueris
Malicias e bacantes.

Tipos simplórios
Espertos
Frívolos
Oposto a metrópole
Cheirando a cidade
Gozo, consumo
Muita artificialidade.

Meu vilarejo
Algumas vezes de renome
Noutras parece Mahagonny.
Soldados acácios
Alertos, confusos
A nova realidade
Povo certo
Noite de festa
Amanhã deserto
Interior de histórias
Sem memória
Bom lugar para ficar louco
E estar certo.

Jaime Baghá  -  Triste por ver morrer as tradições, mas feliz por viver num lugar cheio de festas, onde a violência urbana ainda não chegou, só os personagens do Sr. Bauman,  com uma satisfação instintual  e numa artificialidade agreste de fazer inveja a qualquer metrópole.
*Jurgada(o) - termo açoriano antigo ainda muito usado: Sin. exibida, esnobe, sentimento  exacerbado de superioridade.


"Toda mente profunda necessita de uma máscara" - Friedrich Nietzsche

Que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas. 
                                    Friedrich Nietzsche.