quarta-feira, 26 de novembro de 2014


"A manipulação e a utilização sectária da informação deformam a opinião pública e anulam a capacidade do cidadão para decidir livre e responsavelmente. Se a informação e a propaganda são armas de enorme eficácia nas mãos dos regimes totalitários, também não deixam de o ser nos sistemas democráticos; quem domina a informação, domina de certa forma a cultura, a ideologia e, portanto, também controla em grande medida a sociedade".
 Noam Chomsky.


Máscara peruana, povo Moche.




"Enquanto
estamos vivo, não
podemos escapar de
máscaras e nomes. Somos inseparáveis de nossas
ficções - nossas
feições".
Octávio Paz.




"Tenha cuidado com seus líderes, pois existem muitos nas suas fileiras que prefeririam ser presidente da General Motors do que incendiar o Posto Shell da esquina. Mas como eles não podem ter um eles pegam o outro. São esses os ratos humanos que por séculos nos têm mantido onde nos encontramos".
Charles Bukowski.




Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não somente a obedecer, mas a servir, não governadas, mas tiranizadas, sem vida a que possam chamar de sua?

Mas o que acontece afinal em todos os países, com todos os homens, todos os dias?
É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.

Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo.

Onde iriam eles buscar os olhos com que vos espiam se vós não lhes désseis?
Onde teriam eles mãos para vos bater se não tivessem as vossas?
Como ousariam eles perseguir-vos sem a vossa própria conivência?

Que poder têm eles sobre vós que de vós não venha?
Semeais os vossos frutos para eles pouco depois calcarem aos pés.
Recheais de mobílias as vossas casas para eles virem saqueá-las, criais as vossas filhas para que eles tenham em quem cevar sua luxúria.

Criais filhos a fim de que eles, quando lhes apetecer, venham recrutá-los para a guerra e conduzi-los ao matadouro, fazer deles acólitos da sua cupidez e executores das suas vinganças.

Matai-vos de trabalhar para que eles possam regalar-se e refestelar-se em prazeres vis e imundos.

Etienne de La Boétie
em Discurso Sobre a Servidão Voluntária



Rebanho de vacas

... a visão de uma humanidade transformada em rebanho de vacas. Uma humanidade que pastará e ruminará satisfeita e inconsciente, consumindo erva, na qual uma elite invisível de "pastores" tem interesse investido, e produzindo o leite para tal elite. Tal humanidade será manipulada pela elite de maneira tão sutil e perfeita que se tomará por livre. Isto será possível graças à automaticidade do funcionamento da vaca. A liberdade ilusória encobrirá a manipulação "pastoril" perfeitamente. A vida se resumirá às funções típicas da vaca: nascimento, consumo, ruminação, produção, lazer, reprodução e morte.
 Vilém Flusser




Os conservadores, os entreguistas e a burguesia são do mesmo time. Eles só têm poder porque manipulam aqueles que lhes sustentam, eles vivem montados e escravizam aqueles pobres coitados. O mais triste é que, por serem manipulados durante tanto tempo, passam a admirar seu carrasco e fazem de tudo para copiar seu verdugo. 

A elite dominante na política cria e fabrica o marginal e o usa como mecanismo para uma política de repressão ao social. Muito dos que lotam as prisões são crias do autoritarismo, iludidos na sofisticada máquina da ilusão, que mostra uma falsa confiança aos ricos e o terror para os pobres, negros e mestiços. Quando essa grande maioria pobre e discriminada se revolta, o fato não é visto como política e sim como ato criminoso. A revolta dos mais pobres não tem o direito de exigir direitos ou respeito, tem somente que se resignar e obedecer. 

Nosso inimigo público apresentado nos noticiários da TV geralmente é um menino pobre, negro, franzino, pés descalços e de bermuda, este é o nosso inimigo público número 1, fruto de um estado relapso, corrupto, malfeitor, que usa o lucro do medo e manipula o voto. Esta praga parasita que vem se perpetuando no poder se torna um poderoso por causa dos conluios, critica os programas sociais que ajudam os pobres, critica os vales que o governo oferece aos mais necessitados, no entanto esse ser híbrido recebe vales vultosos de todos os tipos, vale aéreo, vale terno, vale moradia e toda espécie de vale para triplicar seus salários. Eis os verdadeiros escroques do país, que ainda exigem ser chamados de “excelência”. Os desgraçados que vivem a margem desta sociedade é a mercadoria que sobrevive numa desigualdade legitimada e marcada pelos interesses de uma elite inescrupulosa no poder político e no judiciário.

Jaime Baghá

segunda-feira, 27 de outubro de 2014




Dylan, Neil Young e Eric Clapton


Ligue o som!




The Last Waltz

Era uma época em que eu tinha amadurecido um pouco, como jovem “estava por dentro” (como diziam na época). Tinha refinado os gostos e vivia sob o embalo de boas músicas, na MPB, além do pessoal mais conhecido, como Chico, Caetano, Gil e Elis, eu também tinha um pé no Jazz e nos malditos, gostava muito de Jorge Mautner, do Arrigo Barnabé e a banda Sabor de Veneno, do Itamar Assumpção e do Isca de Polícia. Tinha certo cabedal com a cultura e pouca grana, uma mistura de “vagau” com arte. Lia de Gabriel Garcia Márquez a Carlos Castaneda, autores marxistas, revista do Harvey Kurtzman e achava que sacava os filmes do John Cassavetes. 

Era noite de um inverno muito frio em Porto Alegre, sozinho fui ver um filme documentário no Cine ABC, eu desci do ônibus na Praça Rui Barbosa e fui até a Av. Venâncio Aires no bairro Cidade Baixa. O filme começava às 22 horas, era um Avant Premiere, assim chamavam o lançamento de um filme, quando apresentavam ao público antes de começar a passar em outros cinemas da cidade. 

Fui ver The Last Waltz, um show histórico filmado por Martin Scorcese (diretor de obras como Taxi Driver, dentre outros clássicos) e divulgado como despedida final do The Band, ótima banda de rock com componentes multi-instrumentistas, que deu apoio a muitos caras de qualidade da música internacional, entre eles Bob Dylan. Dylan era o cara mais ousado da minha geração, um poeta que cantava os hinos de uma época, de “Blowin In The Wind” a “Like a Rolling Stone”, e muito sons que mudaram o comportamento e influenciou uma geração de jovens de todo o mundo, e ídolos como Jimi Hendrix, Rolling Stones e até os Beatles. Gente de peso, e também ídolos de uma geração como Eric Clapton, Neil Young, Neil Diamond, Joni Mitchel, Von Morrison, Muddy Waters e outros, que também estavam no filme de Scorcese.

Como dizia Dylan, “Não precisa de um homem do tempo para saber para que lado sopra o vento”, e naquela noite o vento frio do inverno de Porto Alegre soprava para o bairro Cidade Baixa,  mais precisamente para o  Cine ABC e todos estes caras estavam lá. Vi todos eles cantarem para mim numa tela gigantesca do cinema. Achava legal o Cine ABC, cinema de gente cabeça, sem pipoca e sem refrigerante, só balinhas azedinhas ou um chocolate Refeição da Neugebauer.

Fiquei extasiado com o pessoal de peso do rock e ver Bob Dylan cantando no cinema, foi o máximo, “o maior barato” para um jovem lá da vila. Sempre busquei resposta além do meu quarteirão e ainda procuro, sem me sucumbir. Na saída, com fome, comi um cachorro quente, que cachorro gostoso, depois encontrei alguns amigos que me convidaram para continuar o embalo na noite, mas não me liguei, “fiquei na minha”, naquela noite, não estava a fim de ficar naqueles papos regados a bebida e white widow. 

Segui a passos pela cidade, num tempo que você podia andar nas noites de P. Alegre, passava da meia noite. Caminhei pela Lima e Silva até o final, dobrando a esquerda era a Rua Fernando Machado, a rua onde morava um amigo (que conhecia uma amiga muito legal), tinha combinado com ele que iria dormir lá depois do cinema. Não me perdi numa festa naquela noite, ainda era muito novo, estava começando a desvendar os subterrâneos, conhecia cada quadra da cidade baixa. Passo a passo, fui me lembrando do filme que tinha assistido e sorria para mim mesmo, olhando as estrelas no céu no inverno de nossa cidade, uma boina na cabeça e uma manta no pescoço, uma calça Lee surrada e extremamente feliz, alegre, meu Porto Alegre. 

Ao meu querido primo Wilmer que deu vida ao texto ao lembrar do filme.
Jaime Baghá


Fotos da época do "The Last Waltz"...

Jaime e Carmem

Maneca, Jaime e Khan - Floripa, 1979

Jaime e Maneca - "Na estrada"

Jaime e amigos: Fernando, Pedrão, Lucinha, Aurinha, Maneca -
 Acampados na serra gaúcha

domingo, 5 de outubro de 2014

Guernica - Pablo Picasso

O que pode a arte num mundo fascista

vivemos numa ferida aberta.
somos os pequenos vermes de deus.
vivemos em guetos que deveriam ser comunidades,
campos de extermínio do corpo e da consciência
que deveriam ser hospitais e escolas.
vivemos em bunkers
que deveriam ser casas, encaixotados antes de morrer
ou admirando gramados amplos com nossas visões estreitas.

a guernica de picasso foi ampliada,
escapou da tela, ganhou o mundo.
moramos dentro de guernica,
e o bombardeio não para.
touros gritam, cavalos enlouquecem, vulcões acordam,
corpos são despedaçados, prédios queimam,
pássaros morrem,
o tempo todo mulheres choram sobre filhos mortos.

o tom geral é cinza,
a noite impera,
violenta.

há sempre um sujeito
que entra pela porta com uma lâmpada na mão
e ilumina a cena.
o que ele segura firme em sua mão é a arte.
eis o papel da luz: iluminar.
deixar ver, não ocultar o monstro.
e o monstro somos nós e nossos nós.

falamos de nazismos e de fascismos
como ficções doutro tempo
só pra esconder
o óbvio de que estamos dentro dele.

nós fizemos e fazemos todo dia esses fascismos.
levantamos muros contra os outros,
fingimos não ver os muros que levantam contra nós.
fingimos não ouvir o carregamento de pedras chegando.
fingimos não ouvir os pedreiros trabalhando, gritando,
e todos os ruídos que vêm de fora.
fingimos, fingimos: não somos poetas.

usamos no braço direito uma estrela,
no esquerdo uma suástica.
e não sabemos.

ferimos mulheres crianças negros índios
cães surdos cegos velhos gays
lésbicas fanhos albinos
e de vez em quando alguém com um sotaque esquisito.

ferimos qualquer signo que nos estranhe,
qualquer signo áspero
que não seja música aos nossos ouvidos.

ferimos o passado e o presente,
ameaçamos o futuro a cada novo dia.

ferimos a possibilidade da liberdade alheia
com nosso direito falso,
nossa falsa filosofia e a pirotecnia falsa
do que deveria ser literatura, cinema, poesia, música.

covardemente maquiamos o monstro,
escondemos o horror, fingimos não haver guernica.

nosso medo granítico não deixa a luz passar.
mas lá está o sujeito com a luz na mão,
ele entra pela porta sem pedir licença,
sem pedir licença ilumina o inferno.

eis a função da luz: revelar. re-velar.
iluminar de novo e de novo, fazer re-ver.
para isso, para nada.
porque mais vale o inútil do fazer
do que o inútil do não-fazer.

arte como instinto puro.
casamento pleno do sublime com o grotesco.
sem cartilhas ou regras.
sem travas, sem papas, sem línguas.

a arte não possui função social.
a função da arte é essencial.
é ser o que só ela pode ser,
a última trincheira.
comunicação entre essências,
comunicação duma nova experiência.

a arte sobrevive à mudança de políticas,
mudanças linguísticas, ideológicas.
quando todas as opiniões passaram
ela permanece.
quando os sonhos absurdos e ridículos do artista já morreram
o que o atravessou permanece vivo.

os poemas nas cavernas.
a capela profana de michelangelo.
os fractais de picasso.
os noturnos iluminados de chopin.
a flauta carbônica de maiakóvski.
o ronco baixo de gregor samsa.
a jangada viva dos mortos de alberto lins caldas.
a terra desolada.
yorick na mão de hamlet.

tudo extremamente humano e revelador e necessário.
consciência trazida à tona,
revelação duma experiência única.

re-ver. re-ter. re-ler.

a função da arte não é social, é essencial.
não comunicar ideologias do momento.
não repetir o senso comum da pobre mídia rica.
não reduplicar memes mentiras memórias.
não assoviar enquanto dilaceram corpos na esquina.
não apagar a chama antes de entrar na sala.
não ajoelhar e ruminar a cantilena junto com a manada.
não acreditar no sentido do cardume.
não concordar com o cardume.
não acreditar que exista o cardume.
não podemos nos dar o luxo de pararmos de criar.
não podemos nos dar o luxo de não iluminar o inferno.

o sincronismo não nos dá esse bônus.
o monocromatismo do cardume é fascista.
o monocromatismo do cardume
é o que desejam os assassinos de rimbaud e de van gogh.
o monocromatismo do cardume é menos desejável que a morte.
deixar ver é a função da arte.

ensaiar um ensaio sobre a cegueira.
estudar a anatomia da máquina tribal.
olhar para trás enquanto se caminha
e ver a paisagem se desfazendo sem o nosso olhar.

somos máquinas de significação.
mas o que significamos
deve ter o selo da indignação.
não perder o tom da indignação, o dom da indignação.
não se perder na pirotecnia e nos conchavos do cardume.
não se perder
nas políticas misticismos modismos
e outras quinquilharias invasoras.

a função da arte é essencial.
ressignificar.
dar ao outro a possibilidade de ver.
permitir ver.
inventar linguagens.
fazer poesia depois de auschwitz.
a poesia só é possível depois de auschwitz.
fazer poesia porque auschwitz.

não repetir, não submeter ou submeter-se,
não ruminar a ladainha, não dizer amém.
inventar linguagens,
plantar sementes de linguagem,
inventar línguas.
iluminar o inferno,
o grotesco, o injusto, o totalitário,
o monocromatismo do cardume.

tocar enquanto o prédio desaba.
tocar enquanto afunda o barco.
todo barco afunda.
todo prédio desaba.
tocar enquanto há dedos.
iluminar enquanto há olhos.

não perder a capacidade de se indignar
e ver as dilacerações do mundo.
para isso, para nada.
porque sim.
porque é belo
e é grotesco.

porque guernica cresceu e devorou o mundo.
porque talvez o mundo sempre tenha sido guernica.
porque talvez o mundo ainda não tenha sido, nascido, aflorado.

o artista com o fogo roubado dos deuses.
o artista com a loucura necessária.
o artista com a chama
já lhe tocando os dedos os olhos a língua.
o artista como aquele que revela a cena.
não o maquiador do monstro.
não o camareiro dos idiotas de plantão.
não o subalterno lambedor de botas.
não o funcionário da burrice prepotente.
não o afiador de facas do torturador.
não o estilista do capeta.
não o tocador de realejo da praça de guerra.
não a manicure do carrasco.
não o advogado da perfídia.
não o coçador de costas oficial do filho da puta do momento.

o artista sem momento.
o artista sem patrão e sem limites.
o artista simplesmente
como o sujeito que entra de repente e ilumina a cena e revela a máquina
monstruosa triturando tudo.
porque sim. por que não?

construímos guetos
e muros de medo em volta de guetos.
construímos campos de extermínio do corpo e da consciência
como se não houvesse dor suficiente.
habitamos bunkers e afiamos facas
sonhando com a carne alheia,
admirando gramados amplos com nossas visões estreitas.
vivemos numa ferida aberta.
somos os pequenos vermes de deus.
somos deus – esse pequeno verme.
mas lá vem de novo o sujeito com a luz na mão.
ele entra sem pedir licença
e ilumina a cena.
 Carlos Moreira


Pan de Muertos - Octavio Ocampo

O MAL DA HUMANIDADE
A humanidade não muda assim como na época de Michel de Montaigne (1533/1592), filósofo francês que analisou as instituições, as opiniões e os costumes, nossa sociedade continua viciosa e falsa, o homem continua uma peste e com a grande pretensão de que sabe alguma coisa.
A sociedade continua embebida em falsidade, obcecada por poder, representações e aparências, as pessoas tratam de esconder o que verdadeiramente são, atuam como se fossem atores, seu pequeno mundinho é um grande teatro. “Há em nós mais maldade do que felicidade, mais tolice que malícia, mais vazio do que bondade, mais vileza do que miséria”. Ou se adere aos viciados da intriga ou os odeia, porque na verdade tudo é trapaça, mentira e traição.
Prefiro ficar num canto sozinho, afastar-me, não participar de nada, fugir das convenções, das políticas e dos amigos deste meio, enfim, sequestrar a mim mesmo, encurralando-me num recanto como fiz ao vir para o interior. Mas, mesmo no mais pacato interior é impossível fugir das falsas fisionomias e das máscaras, eu ainda tenho que conviver com pessoas aos quais eu me sinto constrangido a conviver, pois me envergonha viver desta forma. 
Com o passar do tempo e da idade vou fugindo deste bando torpe, mas ao mesmo tempo não me deixo ser um analfabeto político como falava Bertolt Brecht, porque “da ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, a criminalidade, a miséria e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio”.  
Jaime Baghá
“Ho! que formosa aparência tem a falsidade!” William Shakespeare


Martins de Barros

FUTURO

Não tenho tempo
Nem paciência
Não vou ao templo
Só a ciência
Para abafar
Entender
Afogar
Meu tormento
Nestas estradas
Tão curtas
De vida absurda
Que o comum
Inculca
Em saber
Em ter
Em querer
Para mais nenhuma
Maledicência
Profetizar
Nada encontrar
Caminhar
Até onde esta orgia
Acabar.  

Pensando na maravilha da ignorância – Jaime Baghá

domingo, 24 de agosto de 2014

MUROS 
Sem piedade e sem pudor, sem dó e sem cuidado
à minha volta espessos muros tão altos quem teceu?
E eis­‑me agora aqui na sorte a que fui dado,
em mais não penso: não me sai da ideia o que aconteceu.
Lá fora há tanto que fazer - tudo ruído!
E, se estes muros construíram, porque não dei por tal?
Não ouvi de pedreiro nem voz nem ruído
E sem saber fiquei fechado, sem vista e sem portal.
Konstantínos Kaváfis , poeta grego.
Ao vergonhoso Muro da Cisjordânia de segregação racial, construído pelo Estado de Israel.

Massacre em Gaza

Nada justifica o massacre de Israel contra os civis na Faixa de Gaza, punir o Hamas um grupo sem organização, sem estrutura com bombinhas de “traque” perto do poderio da superpotência militar de Israel é um fato, assassinar civis indiscriminadamente como velhos, mulheres crianças, destruir escolas, hospitais, mesquitas, transformar a cidade em escombros, “mandar Gaza de volta para a idade média”, como falou o vice-premier de Israel Eli Yishal é outro.

É Interessante Israel ter que castigar o povo por causa do Hamas? Foi o próprio serviço secreto de Israel, nos anos 80, que participou ativamente da sua criação. É, o Hamas foi criado graças aos serviços de inteligência de Israel para enfraquecer a OLP de Yasser Arafat. Ao chamar o Hamas de terrorista, a história nos mostra que foram os sionistas que começaram o terrorismo no conflito árabe-israelense, quem explodiu o Hotel King e suas 96 vítimas, quem colocava bombas em cafés, em ônibus, em mercados, em embaixadas estrangeiras em Roma contra os britânicos, quem fazia minagem em ambulâncias e cartas bombas tudo isso muito ativo da década de 30 a 50, e hoje muito mais aperfeiçoados e dos mais especializados do mundo.

O que Israel precisa é respeitar e cumprir a resolução 181 da ONU, que desocupe os territórios roubados dos Palestinos e liberte este povo do cativeiro, devolva aos palestinos as suas terras e casas aos quais foram expulsos como animais, e continuam sendo expulsos dia após dia, com Israel ampliando os números de “assentamentos” ilegais, pegue um mapa e compare de 1948 aos dias atuais, com a população árabe cada vez mais vivendo em guetos.

Os “Acordos de Paz de Oslo” estão mortos e enterrados debaixo dos assentamos e os pedaços que sobraram mantém os palestinos enjaulados numa humilhação totalmente contrarias as Convenções de Genebra que o governo de Israel viola desde 1967. O Tribunal Penal Internacional deve processar os líderes israelenses por crime de guerra e pelo sistema de “apartheid” que foi criado. O primeiro ministro Benjamin Netanyahu  não está nem um pouco interessado nas negociações de paz, ele usa a invasão das terras,  as construções nos assentamentos roubados e expropriados em grande escala para garantir a sobrevivência de seu  governo. É um ritmo criminoso e violento apoiado pelos Estados Unidos e partidos fascistas como o Bait Yehudi “Lar Judaico” de Naftalli Benett, totalmente contrário a um estado palestino e que jamais vão reconhecer este estado independente e as resoluções da ONU.

Tudo isso foi criado graças a uma limpeza étnica das populações árabes e o terrorismo do IRGUN. Este negócio de preceitos religiosos, (dizem que os criadores do estado de Israel eram ateus) de “povo escolhido”, terra prometida, indústria do Holocausto, tem até história de vingança contra palestinos por “crimes” cometidos por filisteus há dois mil anos, tem quem defenda isso para a usurpação. Gente igual ao falecido rabino Ovadia Yosef (tem muitos ainda em Israel e no mundo), louco e completamente demente e líder “espiritual”, (pior do que os radicais muçulmanos) de um partido com ministros no governo.  A maior parte da população aprova este crime e seus filhos cantam pelas ruas "There’s no school tomorrow, there’s no children left in Gaza! Oleh!" (não há nenhuma escola amanhã, não há crianças em Gaza), lembrando muito a juventude hitlerista na época do nazismo, uma vergonha criminosa. Se necessitar de mais jovens o “Hasbara” com sua “ta’amula”, propaganda do Israel apartheid busca gente no mundo todo, lamentável.

É a mesma balela da Declaração Balfour, a carta malandra de Arthur Balfour ao Barão de Rothschild, como alguém pode doar uma terra que não lhe pertence, pior ainda, que foi roubada de outro povo. E essa leviandade ajuda a elevar o horroroso discurso de raça superior, levando os judeus a se equiparar completamente com os seus algozes nazistas, hoje fazem com os palestinos aquilo que foi feito a eles pelos hitleristas.

A arrogância sionista genocida é racista e gananciosa, Israel é um invasor ilegítimo que tem as costas quentes por estar tão próximo dos americanos (um dos maiores culpados por esta situação) e seus colaboracionistas, mas estão muito longe de Deus.

Minha crítica não é conversa de antiimperialista, ou qualquer outro alienado, mas sim uma visão lógica da história compartilhada com amigos judeus e de intelectuais como Noam Chomski , Ilan Pappé, Uri Avnery, Sefi Rachlevski, Yuram Kaniuk (que diz que não quer ser mais judeu), e tantos outros. Nunca suportei ver bandidos travestidos de mocinhos e heróis, se você se cala pode ficar um dia como um personagem de Brecht árabe, vai ser um palestino magro, com cara de louco espiando pela fresta do muro, como falou um amigo.

Jaime Baghá



Ocuparam minha pátria

Expulsaram meu povo
Anularam minha identidade
E me chamaram de terrorista

Confiscaram minha propriedade
Arrancaram meu pomar
Demoliram minha casa
E me chamaram de terrorista

Legislaram leis fascistas
Praticaram odiado apartheid
Destruíram, dividiram, humilharam
E me chamaram de terrorista

Assassinaram minhas alegrias,
Sequestraram minhas esperanças,
Algemaram meus sonhos,
Quando recusei todas as barbáries

Eles... mataram um terrorista!

Mahmoud Darwish


Talvez perca — se desejares — minha subsistência
Talvez venda minhas roupas e meu colchão
Talvez trabalhe na pedreira... como carregador... ou varredor
Talvez procure grãos no esterco
Talvez fique nu e faminto
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez me despojes da última polegada da minha terra
Talvez aprisiones minha juventude
Talvez me roubes a herança de meus antepassados
Móveis... utensílios e jarras
Talvez queimes meus poemas e meus livros
Talvez atires meu corpo aos cães
Talvez levantes espantos de terror sobre nossa aldeia
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Talvez apagues todas as luzes de minha noite
Talvez me prives da ternura de minha mãe
Talvez falsifiques minha história
Talvez ponhas máscaras para enganar meus amigos
Talvez levantes muralhas e muralhas ao meu redor
Talvez me crucifiques um dia diante de espetáculos indignos
Mas não me venderei
Ó inimigo do sol
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Ó inimigo do sol
O porto transborda de beleza... e de signos
Botes e alegrias
Clamores e manifestações
Os cantos patrióticos arrebentam as gargantas
E no horizonte... há velas
Que desafiam o vento... a tempestade e franqueiam os obstáculos
É o regresso de Ulisses
Do mar das privações
O regresso do sol... de meu povo exilado
E para seus olhos
Ó inimigo do sol
Juro que não me venderei
E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Resistirei
Resistirei
Samih Al-Qassim, in Poesia Palestina de Combate

quarta-feira, 30 de julho de 2014

ARIANO SUASSUNA
 Eu tenho uma admiração tão grande por Ariano Suassuna que não poderia deixar de comentar algo sobre este gigante. Referência da dramaturgia brasileira, figura que mais representa o teatro popular. A literatura de Ariano é um marco, é aquilo que o teatro regional e seus personagens brasileiros têm a dizer e ser o maior lutador pela cultura brasileira é o que o diferencia. Ouvi-lo falar era algo fantástico, aquela mistura de gênio crítico e bom humor era impagável, era muito mais que palestras muito mais do que aulas-espetáculo, porque ele prendia a atenção do público com suas histórias como um mágico. O amor pela cultura brasileira e o fazer artístico lhe transformou num personagem mítico da nossa própria cultura.
Eu particularmente acho que Ariano não morreu, acho que foi viver no mundo mágico dos seus personagens. Tenho certeza de que ele foi recebido pela Compadecida (Nossa Senhora), por Emanuel (O Cristo Negro), Dom Pedro Dinis Quaderna, o Palhaço, Chicó, João Grilo e até Severino (Gangaceiro) e o Encourado Diabo, entre Anjos carregando a “Pedra do Reino”, e todos seus personagens e outros que um dia também irão partir, como nós, o povo brasileiro. Ariano defendendo a cultura dizia: “não troco meu ‘oxente’ pelo ok de ninguém”, assim como nós no sul não trocamos o nosso “mas bah tche” também, necessitamos muito viver a nossa própria cultura e nisso Ariano foi o mestre.
Tem um texto de Matias Aires que Ariano leu para o público, a “Carta para Ariano” que Matheus Nachtergaele lhe enviou e um texto de Idelber Avelar sobre Chico Science que gosto muito e reproduzo para vocês.
 Jaime Baghá.

Ariano Suassuna leu para o público um texto de Matias Aires:
“Quem são os homens mais do que a aparência de teatro? A vaidade e a fortuna governam a farsa desta vida. Ninguém escolhe o seu papel, cada um recebe o que lhe dão. Aquele que sai sem fausto nem cortejo e que logo no rosto indica que é sujeito à dor, à aflição, à miséria, esse é o que representa o papel de homem. A morte, que está de sentinela, em uma das mãos segura o relógio do tempo. Na outra, a foice fatal. E com esta, em um só golpe, certeiro e inevitável, dá fim à tragédia, fecha a cortina e desaparece”.


“Carta para Ariano,
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que alguém,  homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada. Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano.
Depois do Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois do Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo, meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele".


“Ariano Suassuna era um tradicionalista, reacionário no sentido estritamente etimológico da palavra (ou seja, propugnava mesmo que a saída era que se girasse para trás a roda da História) e combateu durante anos o mangue beat. Os amigos pernambucanos da minha geração se lembram: ele se recusava a dizer "Chico Science". Pra ele era "Chico Ciência". E acusava o mangue beat de desnacionalizar a música nordestina e tudo o mais.
Até que naquele fatídico 02 de fevereiro de 1997, Chico bateu o carro da irmã no caminho que ele fazia tantas vezes, entre o Recife e Olinda. Foi o domingo em que todas as nações do maracatu desfilaram em silêncio. E lá estava Ariano, carregando o caixão de Chico Science, chorando copiosamente, desesperado.
Essa imagem, de Ariano Suassuna chorando enlouquecido enquanto carregava o caixão do "Chico Ciência" que ele tanto havia combatido, é para mim uma das mais fortes da cultura brasileira. E é a imagem de Ariano que fica pra mim”.
Idelber Avelar

domingo, 20 de julho de 2014

José Saramago, escritor e poeta português

A CONFRARIA

Fiquei ali olhando o nada
Com vermes envolvidos em preces
Estranhos a minha espécie
Sublimando o que não me agrada

Fiquei ali, alhures, perdido
Entre fantasmas sociais
Como cipaios animais
Entre muitos, escondido.

Fiquei ali numa ficção
Olhando a xenofobia em ação
Na frialdade dos injustos

Que ventre produziu estranhos partos
De vermes obscuros e falsos
Como um soneto de Augusto.

 Olhando a conjunção política-religião da pequena província, lembrei-me de Augusto dos anjos.  
Jaime Baghá


Durante toda a minha vida as pessoas mais inteligentes que conheci não professavam doutrinas religiosas, e sempre demonstraram um caráter de bondade, segurança, sabedoria e justiça. Em muitos religiosos vi a cobiça, inveja, maldade e  ignorância. 

Vendo os anais da história sei que as piores guerras e as mais sangrentas foram em nome de Deus, e é em nome dele que as guerras ainda continuam, caso tivermos uma terceira guerra mundial, tudo nos leva a acreditar que será também em nome de Deus.

Desde as pequenas províncias interioranas até o maior escalão político do meu país eu vejo uma ascensão das bancadas religiosas, isto me causa o temor de uma teocracia, do fanatismo e dos desentendimentos sociais, desviando os caminhos de uma democracia.

Se existe um Deus onipotente, porque criou filhos desta natureza e porque filhos desta natureza criaram Deuses para roubar e matar? Independente do credo, toda a nossa sorte esta nas mãos dos homens e na sua cultura, abominando todas as formas de ignorância. Deus, se alguém acredita, que sirva só para consolar seus infernos interiores.

Sds. Jaime Baghá


Augusto dos Sanjos, poeta brasileiro

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!

 Augusto dos anjos.


VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

 Augusto dos Anjos