domingo, 11 de setembro de 2011


TRANSGRESSÔR (O ser social)

Alguns só falam em negócios
Ou sobre putas
Ou sobre o ócio
Outros além disso
Falam da rima
Sobre a métrica
Metáforas e dialéticas.

Alguns são confrarias
Prato e bispote
Esbornias e faloforias
Outros tem
O DNA que envenena
Um maluco transgressôr
A maldição da eugenia

Tudo é a confusão
Do perfeito mundo imperfeito
Um diz sim
Outro diz não
O que resulta é a procura
Uns de só o viver
Outros de entender a loucura.

Para o meu eu arredio - Jaime




Como diz no seu vídeo a romancista Chimamanda Adichie (contadora de história e escritora Nigeriana): "O perigo de uma única história”. Ela nos fala como o poder é usado para impor uma única história como se fosse verdade, além da história de Chimamanda, nós próprios sofremos a muito tempo esta situação. Quem ouve apenas uma história de uma pessoa, de uma situação ou de um país, arrisca um desentendimento crítico e até põe em risco seu próprio futuro. Sempre ouço e escuto as diversas opiniões, os dois lados da história para tirar minhas conclusões, o lamentável é que somos constantemente bombardeados por um só tipo de história, principalmente a miopia cultural, perversa e gananciosa dos impérios e suas mídias. Sendo assim, “garimpo” as opiniões, porém é sempre muito difícil manifestá-las. Nosso povo ainda vive desconcertado, acha a ignorância maravilhosa, inclusive em relação a sua própria história. Hoje o que ainda chamam de "papo-cabeça” é a tentativa de diálogo dos pequenos e cada vez mais raros grupos, que fogem da mesma história que o poder e os grupos de interesses insistem em nos enfiar goela abaixo. Em menos de três décadas o chamado papo-cabeça do jovem esclarecido mudou para o cara com desejo de status social, a praga da “celebridade” (palavra infecta) que está na moda e espalha a ansiedade por países como o Brasil, onde a cultura é pobre e o emergente se sobressai, ignorante, mas com dinheiro, um perigo, pois além de sufocar a pessoa de conhecimento, marginaliza a sociedade. É a grande produção do capitalismo, fomentando e promovendo os instintos egoistas do ser humano. Faltando-nos, como falou Jose Saramago: “Pensar, precisamos do trabalho de pensar, parece-me que, sem idéias não vamos a parte nenhuma”. Jaime


ISLÃMOFOBIA

Porque não sofro de islãmofobia, porque não faço das mídias manipuladas o meu estilo de vida, tampouco o meu material de conhecimento, meu tempo de bater palmas para o mocinho John Wayne matador de índios foi aos 12 anos na matinê do Antigo Cine Danubio Azul da velha Cachoeirinha. Pouco tempo depois já andava sozinho pelas ruas de Porto Alegre, descobrindo como eram as tais verdades absolutas, e entendendo que nem tudo que vimos podemos acreditar. Mas isso eram outros tempos, agora temos a "disneyzação" do Prof. Alan Bryman, "vivemos a cultura de consumo" e como explica Jean Baudrillard no seu estudo da comunicação das mídias na sociedade e na cultura contemporânea, ou a “insatisfação do eu consigo mesmo” como diz o Sr. Bauman, onde pessoas desqualificam suas formas de vida e vivem um universo midiático e de consumo. O que falo a seguir sobre o Oriente Médio, é uma refutação de uma mídia perversa, minha visão garimpada com uma realidade que não seja aquela que os americanos e seus aliados (desde o Nakba dos anos 40), querem passar para nós. A Liga Árabe compreende 22 estados com rebeliões em quase todos, as coisas não são tão simples como pensam os ocidentais e muito menos para quem não tem conhecimento da sua política e sua cultura. Tem que se conhecer a sociologia e a antropologia Árabe (este o grande erro ocidental que tenta impor seu modelo), muitos do seu povo nem tem consciência de nação, nem povo, pensam apenas em termos de família, clã e religião como na Líbia, tudo isso com cisões religiosas, étnicas e tribais. Em muitos lugares o que tem a uni-los é um chefe e a consciência religiosa com a mão de ferro. Até uma intervenção militar internacional para proteger o povo é algo dificílimo (termina em guerra civil). Em meio à tantas diferenças é completamente odioso marginalizar e vilipendiar um povo com uma história tão antiga, que ao meu ver, temos muito mais pecados do que eles. Em nome de deus já matamos, saqueamos e caluniamos muito mais. Não vai ser por causa de grupos radicais que vamos generalizar um povo. Se assim fosse, eu não poderia gostar dos alemães por causa de Hitler, dos espanhóis por causa do Torquemada ou de Pizarro, dos Americanos por causa da Ku Klux Khan, de seu racismo e seus eugenistas. Confesso, tenho muito, mas muito mais temor destes impérios colonizadores e saqueadores do que o povo árabe. Quem tem nos sacaneado, roubado, torturado, criado ditaduras e toda a espécie de maldade são estes impérios. Quem foi que acabou com o Paraguai que era um o país mais promissor da América Latina com a malandragem da tríplice aliança? Quem foi que explorou toda a América Latina, financiando ditaduras e relegando povos a miséria, a violência e ao abandono? Quem levou e leva todas as nossas riquezas e sobretaxa as deles num protecionismo safado? Quem enche de missionário nossas florestas, roubando nossa biodiversidade, estrupando nossos índios e dizendo que a Amazonia é deles? Nunca ví um árabe aqui cometer tamanhas safadezas, os únicos árabes que conheço no Brasil, são ainda iguais aos antigos mascates , que no sul eram apelidados de "prestação"(décadas atrás). Traziam roupas baratas para vender em nossas portas e nossos pais pagavam como podíam. Nunca vi crimes, escândalos, ou qualquer outro delito de um árabe no Brasil, o Maluf é brasileiro, o doutor Roger Abdelmassih tambem é brasileiro e fugiu, protegido como Maluf pelo nossos brilhantes “homens” do “judiciário” brasileiro, o mesmo “judiciário” que inocentou o Naji Nahas (este não é brasileiro), que sacaneou a bolsa de valores com a cumplicidade dos nossos patriotas, os quais eu acho que são da mesma quadrilha do “judicário”. Temos uma colonia árabe muito grande no Brasil, e desde o descobrimento parece-me, que é o único povo que não temos nada a falar ou reclamar, até fizemos piadas sobre eles e até já contei para eles e nunca fui atacado, nem ameaçado com bombas (também nunca fui ameaçado pelo Irgun ou pelo Lehi). Mas dos americanos temos de sobra, e só não falamos mais porque sua mídia de fantasia nos ilude, até o Zé Carioca eles criaram para nos tapear, mas o que fazer, agora mesmo temos 50 mil, eu falei 50 mil ou mais brasileiros que foram ver o casamento do príncipe na Inglaterra. Pois é, o meu saudoso avô João dizia: que o mundo começou com sete bôbos, morreu um, ficou quinze, quando menino eu não compreendia a matemática, mas meu avô explicou, é que o número de bôbos se multiplica feito ratos. Assim sempre vamos ter alguém (ou um rato), abanando uma bandeirinha para o carrasco, esperando eles no aeroporto, mesmo que eles nos expulsem quando descemos no país deles, afinal nós somos os colonizados, por isso devemos odiar tudo o que eles odeiam, até dos personagens de desenho do Aladim, afinal os Árabes são vilipendiado 24 horas pelos filmes de Hollywood. E confesso, meu medo maior é do Tea Party, do Bush ou do republicano Peter King. sds. Jaime







Vejam abaixo, a melhor análise que li sobre a revolta do mundo árabe, publicada na revista Piauí em junho de 2011 por Perry Anderson, que é historiador inglês e professor na Universidade da Califórnia.

Explosões em sequência
A liberdade precisa ser reconectada com a igualdade. Sem essa conexão, as rebeliões no mundo árabe podem facilmente murchar numa versão parlamentar da velha ordem, incapaz de responder à energia e às tensões sociais explosivas que lhes deram origem.


Por Perry Anderson

A revolta árabe de 2011 pertence a uma classe rara de acontecimentos históricos: a da concatenação de levantes políticos, um deflagrando o outro em toda uma região do mundo. Houve apenas três precedentes: as guerras de libertação das colônias hispano-americanas de 1810–25; as revoluções européias de 1848–49; e a queda dos regimes no bloco soviético em 1989–91. Cada um deles foi historicamente específico de seu tempo e lugar, tal como serão as explosões em cadeia no mundo árabe. Desde que se acendeu o fósforo na Tunísia, em dezembro de 2010, e as chamas se espalharam para o Egito, Bahrein, Iêmen, Líbia, Omã, Jordânia e Síria, não se passaram mais de três meses; qualquer previsão sobre os resultados é prematura.
Na lista dos levantes antigos, nenhum durou menos de dois anos. O mais radical acabou em completa derrota, por volta de 1852. Outros dois triunfaram, embora os frutos da vitória tenham sido muitas vezes amargos: bem diversos das esperanças de um Simón Bolívar ou de uma Bärbel Bohley. O destino final da revolta árabe pode ser parecido com qualquer um deles, mas também pode ser sui generis.
Dois aspectos fizeram com que o Oriente Médio e o norte da África ocupassem uma situação à parte no universo político contemporâneo. O primeiro é a duração e a intensidade do domínio ocidental da região, durante todo o século passado. Do Marrocos ao Egito, o controle colonial do norte da África repartiu-se entre a França, a Inglaterra e a Itália antes da Primeira Guerra Mundial, enquanto o Golfo virou uma série de protetorados britânicos, com Áden constituindo um posto extremo da Índia britânica. No pós-guerra, no último vagão do butim territorial europeu, os despojos do Império Otomano ficaram com a Inglaterra e a França, formando o que foi denominado, nas suas pranchetas e esquadros, Iraque, Síria, Líbano, Palestina e Transjordânia.
A colonização formal demorou a chegar a boa parte do mundo árabe. A África Subsaariana, o Sudeste da Ásia, o subcontinente indiano, para não falar da América Latina, foram conquistados muito antes que a Mesopotâmia ou o Levante. Diferentemente de qualquer dessas zonas, porém, no mundo árabe a descolonização formal foi acompanhada por uma sequência praticamente ininterrupta de guerras e intervenções imperiais no período pós-colonial.
As intervenções começaram cedo, com a expedição inglesa para reinstalar um regente fantoche, em 1941, e se multiplicaram com a edificação de um estado sionista sobre o túmulo da revolta palestina, esmagada pela Inglaterra em 1938–39. Daí em diante, um poder colonial em expansão, atuando às vezes como sócio, às vezes por procuração, mas com frequência crescente como iniciador de agressões regionais, combinou-se com a afirmação dos Estados Unidos como o senhor do mundo árabe, no lugar da França e da Inglaterra.
Desde a Segunda Guerra Mundial, cada década tem tido sua colheita de violência, seja por meio de suserania, seja através da ocupação. Nos anos 40, houve a nakba desencadeada por Israel na Palestina. Nos anos 50, o ataque anglo-franco-israelense ao Egito e os desembarques americanos no Líbano. Nos 60, a Guerra dos Seis Dias de Israel contra o Egito, a Síria e a Jordânia. Nos anos 70, a Guerra do Yom Kippur. Nos 80, a invasão israelense do Líbano e o esmagamento da Intifada palestina. Nos anos 90, a Guerra do Golfo. Na última década, a invasão e ocupação americana do Iraque. Na atual, o bombardeio da Líbia pela Otan, agora em 2011.
Nem todo ato de beligerância nasceu em Washington, Londres, Paris ou Tel-Aviv. Conflitos militares de origem local também foram comuns: a guerra civil no Iêmen, nos anos 60, a tomada do Saara ocidental pelo Marrocos, nos 70, o ataque ao Irã pelo Iraque, nos 80, e a invasão do Kuwait pelo Iraque, nos 90. Mas a conivência, ou envolvimento ocidental, raramente esteve ausente. Pouca coisa andou na região sem o atento olho imperial e – quando necessário – sem a aplicação de força ou dinheiro.
O motivo para o grau excepcional de vigilância e interferência euro-americana no mundo árabe é simples. Por um lado, ele é o repositório da maior concentração de reservas de petróleo da Terra, vitais para as economias do Ocidente. Essa condição gerou um vasto arco de desdobramentos, desde bases aéreas, navais e de espionagem em todo o Golfo, com um braço avançado no Iraque, até a profunda infiltração dos órgãos de segurança egípcios, jordanianos, iemenitas e marroquinos.
Por outro lado, o mundo árabe é a moldura na qual se insere Israel, que precisa ser protegido porque os Estados Unidos abrigam o lobby sionista, enraizado na comunidade imigrante mais poderosa do país – que nenhum presidente ou partido ousa afrontar –, e a Europa purga a culpa pela Shoah. Como Israel, por sua vez, ainda é uma potência ocupante que depende do auxílio ocidental, e os seus patrocinadores viraram alvo da retaliação de grupos islâmicos (que praticam o terror tal qual o Irgun e o Lehi no seu tempo), o controle da região tornou-se cada vez mais estrito. Nenhuma região do mundo tem merecido o mesmo grau de atenção da hegemonia imperial.
O segundo aspecto distintivo tem sido a longevidade e a intensidade das variadas tiranias que, desde a descolonização formal, rapinam o mundo árabe. Nos últimos trinta anos, regimes democráticos, na forma entendida pela organização Freedom House, espalharam-se da América Latina à África Subsaariana e ao Sudeste da Ásia. No Oriente Médio e no norte da África, porém, não ocorreu nada análogo. Ali, déspotas de toda catadura têm se mantido no poder, independentemente das mudanças de tempo ou circunstância.
A família Al Saud – no melhor sentido siciliano do termo –, que tem sido o instrumento central do poder americano na região desde o seu acordo com Roosevelt, manda na península, sem contestação, há quase um século. Os xeques amestrados do Golfo e de Omã, sustentados ou instalados pelo Raj, o sistema inglês na Índia, têm tanta necessidade de ouvir a opinião de seus súditos quanto os seus vizinhos wahabitas, colaboradores de Washington. As dinastias da Jordânia e do Marrocos – a primeira, criatura dos ingleses; a segunda, herança do colonialismo francês – passam o poder a seus herdeiros há três gerações de autocratas, junto com uma fachada parlamentarista. Tortura e assassinato são a rotina desses regimes, os melhores amigos do Ocidente na região.
Tampouco foi diferente nas chamadas repúblicas, cada qual uma ditadura tão brutal quanto a outra, e muitas delas não menos dinásticas que as próprias monarquias. Também nelas a longevidade coletiva dos governantes não teve paralelo em lugar nenhum: Kadafi no poder por 41 anos; Assad, pai e filho, 40; Saleh, 32; Mubarak, 29; Ben Ali, 23. Somente os militares argelinos, numa presidência rotativa à moda dos generais brasileiros, fugiram dessa norma, mas respeitaram todos os demais princípios de opressão.
Na postura externa, esses regimes foram menos uniformemente subservientes ao imperialismo hegemônico. A ditadura egípcia, salva de uma debacle militar, em 1973, graças aos Estados Unidos, foi desde então um fiel peão de Washington, tendo menos independência operacional em relação aos americanos do que o reino saudita. O governante iemenita foi comprado numa pechincha para atuar na “guerra contra o terror”. O tunisiano cultivou patrões na Europa, sobretudo na França, mas não só nela.
Os regimes argelino e líbio, gozando da alta renda proporcionada pelos recursos naturais, tiveram uma margem maior de autonomia, embora demonstrando um padrão crescente de obediência – exigida na variante argelina para conseguir a aprovação ocidental ao esmagamento da oposição islâmica, e na variante líbia para expiar seu passado e fazer lucrativos investimentos na Itália.
A exceção significativa foi a Síria, que não poderia se submeter sem a retomada das Colinas de Golan – bloqueada por Israel – e receosa em deixar o mosaico fóssil do Líbano cair totalmente nas mãos do dinheiro saudita e da espionagem ocidental. Mas até mesmo essa exceção foi intimada, sem maiores dificuldades, a cerrar fileiras na Operação Tempestade no Deserto.
As duas vigas mestras da região – a dominação contínua pelo sistema imperial americano e a ausência contínua de instituições democráticas – estão conectadas. A conexão não é uma simples derivação. Onde a democracia é considerada uma ameaça ao capital, os Estados Unidos e seus aliados nunca hesitaram em removê-la, como ilustra o destino de Mossadegh, de Arbenz, de Allende ou, atualmente, de Jean-Bertrand Aristide. No sentido inverso, onde a autocracia é essencial, ela é bem preservada.
Os despotismos da Arábia, baseados em cambalachos tribais e no trabalho suado de imigrantes, são engrenagens estratégicas da Pax Americana, nas quais o Pentágono intervém de supetão quando é necessário protegê-las. As ditaduras republicanas, ou monárquicas, que pairam sobre grandes populações urbanas noutros pontos da região, são expedientes um pouco diferentes, mais de ordem tática. Essas tiranias têm sido auxiliadas e apoiadas pelos Estados Unidos, mas não foram uma criação americana exclusiva. Todas têm raízes nas sociedades locais, ainda que sejam bem regadas por Washington.
Segundo o famoso dito de Lênin, a república democrática é a casca ideal para o capitalismo. A partir de 1945, nenhum estrategista ocidental discordou da afirmação. O imperium euro-americano preferiria, em princípio, lidar com democratas árabes a tratar com ditadores, desde que fossem igualmente respeitosos da sua hegemonia. A partir da década de 80, tal respeito raramente faltou nas regiões recém-democratizadas.
Por que o mesmo processo não se aplica ao Oriente Médio e ao norte da África? Essencialmente, porque os Estados Unidos e seus aliados têm motivos para recear que, devido a sua longa história de violência imperial na área e às permanentes demandas de Israel, o sentimento popular possa não lhes apresentar um reconforto eleitoral semelhante ao de outras regiões.
Uma coisa é construir um regime cliente à força de baionetas, e pastorear votos suficientes para sustentá-lo, como foi feito no Iraque. Outra coisa são eleições mais livres, como descobriram os generais da Argélia e os chefes da Fatah. Em ambos os casos, confrontados com a vitória democrática de forças islâmicas consideradas pouco sensíveis a pressões ocidentais, a Europa e os Estados Unidos aplaudiram a anulação das eleições e a repressão dos vencedores. As lógicas imperial e ditatorial continuam entrelaçadas.
Esse é o quadro no qual a revolta árabe finalmente irrompeu, numa concatenação facilitada pelos dois grandes fatores de unidade da região: a língua e a religião. O mote dos levantes foram as demonstrações em massa de cidadãos desarmados, que em quase toda parte enfrentaram com coragem exemplar a repressão a gás, água e chumbo.
De país em país, a reivindicação principal ecoou num grito estrondoso: Al-Sha’b yurid isquat al-nizam – “O povo quer o fim do regime!” O que as multidões nas praças e ruas querem, essencialmente, é liberdade política. A democracia, uma palavra bem conhecida – todos os regimes a utilizam amplamente –, mas uma realidade desconhecida, virou o denominador comum dos vários movimentos nacionais.
Raramente articulado a um conjunto de instituições, o poder de atração da reivindicação de democracia surgiu mais como uma negação do status quo – por ser tudo que a ditadura não é – do que da afirmação do seu conteúdo. Punir a corrupção nos altos escalões do velho regime aparece com mais destaque do que as particularidades da Constituição a ser feita. Nem por isso a dinâmica dos levantes ficou menos clara. Seu objetivo é, no mais clássico dos sentidos, puramente político: liberdade.
Mas por que agora? O elenco odioso de regimes permaneceu inalterado por décadas. A deflagração das revoltas não se explica pelos seus objetivos. Nem pode ser atribuída apenas a novos canais de comunicação: a difusão da Al Jazira, os aparecimentos do Facebook ou do Twitter facilitaram, mas não criaram o novo espírito de insurgência.
A fagulha que iniciou o incêndio sugere a resposta. Tudo começou com a morte, provocada pelo desespero, de um vendedor de verduras empobrecido num vilarejo no interior da Tunísia. Na raiz da comoção que sacode o mundo árabe havia pressões sociais vulcânicas: desigualdade social, aumento do custo dos alimentos, falta de moradia, ausência de emprego para a juventude instruída – e não instruída – numa pirâmide demográfica sem paralelo no mundo. Em poucas regiões a crise social é tão aguda, e tão evidente é a ausência de um modelo de desenvolvimento capaz de integrar as novas gerações.
Até agora, no entanto, há um desencontro quase total entre o conteúdo social da revolta árabe e os seus objetivos políticos. Em parte, isso é reflexo da composição dos principais participantes. Nas grandes cidades – à exceção de Manama, a capital do Bahrein – não foram os pobres que, em geral, acorreram às ruas majoritariamente. Os trabalhadores não organizaram uma longa greve geral. Os camponeses estão quase ausentes.
É esse o efeito de décadas de repressão policial, e da eliminação de qualquer organização coletiva dos desfavorecidos. O seu ressurgimento levará tempo. Mas o desencontro é também efeito do limbo ideológico em que a sociedade foi deixada nessas mesmas décadas – um período de descrédito do socialismo e do nacionalismo árabes e de neutralização do confessionalismo radical, que deixou um islamismo aguado como único passe-partout. Nessas condições criadas pela ditadura, o vocabulário da revolta só se pode concentrar na ditadura – na queda da ditadura – como discurso político, e em nada mais.
A liberdade precisa ser reconectada com a igualdade. Sem essa conexão, as rebeliões podem facilmente murchar numa versão parlamentar da velha ordem, tão incapaz de responder à energia e às tensões sociais explosivas quanto as oligarquias decadentes do período de entreguerras. A prioridade estratégica para a reemergência da esquerda no mundo árabe deve ser a luta pelas formas de liberdade política que permitirão que essas pressões sociais encontrem a expressão coletiva adequada.
Isso significa, por um lado: a abolição geral de toda a legislação de emergência; a dissolução do partido dirigente ou a deposição da família governante; a limpeza do aparelho do Estado de todos os ornamentos do antigo regime; o julgamento dos seus líderes.
E significa, por outro lado, depois de varrer os restos do antigo regime, prestar uma atenção cuidadosa e criativa aos detalhes das Constituições a serem escritas. Nesse ponto, as exigências-chave são: liberdade total de expressão e organização cívica e sindical; sistemas eleitorais sem distorção – ou seja, proporcionais, e não do tipo em que só o mais votado se elege; presidentes sem plenos poderes; proibição do monopólio, estatal ou privado, dos meios de comunicação; e o acesso, garantido em lei, dos desfavorecidos aos benefícios públicos.
Somente assim as reivindicações de justiça social que deflagraram a revolta podem dar origem à liberdade coletiva necessária para a sua conquista.
Outra ausência se faz notar no levante. Na mais famosa das revoltas concatenadas, a europeia de 1848–49, não só dois, mas três tipos de exigências se entrelaçaram: políticas, sociais e nacionais. O que dizer da última, a árabe, de 2011? Até o momento, os movimentos de massa não produziram uma só demonstração antiamericana, ou sequer anti-israelense. O descrédito histórico do nacionalismo árabe, com o fracasso do nasserismo no Egito, é, sem dúvida, uma razão para isso. Outra razão é o fato de que a subsequente resistência ao imperialismo americano foi identificada com regimes – Síria, Irã, Líbia – tão repressivos quanto os que se entenderam com ele. Ainda assim, é notável que o anti-imperialismo seja o cachorro que não latiu – ou não latiu até agora –no pedaço do mundo onde o poder imperial é mais visível. Isso pode continuar?
Os Estados Unidos podem assumir uma visão dos acontecimentos que, até agora, é confiante e otimista. No Golfo, o levante no Bahrein, que poderia ter posto em risco seu Q.G. naval, foi esmagado por uma intervenção contrarrevolucionária na melhor tradição de 1849, com uma impressionante demonstração de solidariedade interdinástica. Os reinos saudita e hashemita aguentaram firmes.
O bastião iemenita da batalha contra o salafismo parece mais periclitante, mas o ditador de turno é dispensável. No Egito e na Tunísia, os governantes se mandaram, mas a hierarquia militar do Cairo, com suas excelentes relações com o Pentágono, continua intacta. E a grande força civil emergente em ambos os países é um islamismo domesticado.
Anteriormente, a perspectiva de a Irmandade Muçulmana – ou de suas sucursais regionais – entrar para o governo teria provocado grande alarme em Washington. Mas o Ocidente dispõe agora de um modelo tranquilizador na Turquia, aplicável nas terras árabes, que oferece o melhor dos mundos políticos. O Partido da Justiça e Desenvolvimento da Turquia mostrou o quão leal à Otan e ao neoliberalismo ele pode ser. E mostrou também que é capaz de aplicar doses certas de intimidação e repressão, mesmo numa democracia piedosa e liberal, brandindo o porrete e o Alcorão. Se um Erdoğan puder ser encontrado no Cairo ou em Túnis, Washington terá todos os motivos para ficar satisfeito com a sua troca por Mubarak e Ben Ali.
Nessa perspectiva, a intervenção militar na Líbia pode ser considerada a cereja no bolo – servindo, simultaneamente, para polir as credenciais democráticas do Ocidente e se livrar do mais recente e embaraçoso recruta da “comunidade internacional”. Sendo mais um luxo do que uma necessidade para o poder global americano, a iniciativa do ataque da Otan veio da França e da Inglaterra, reencenando, como numa máquina do tempo, a expedição de Suez em 1956.
Novamente, Paris tomou a iniciativa, para limpar Sarkozy de suas intimidades com Ben Ali e Mubarak, e também para deter a sua desastrosa queda nas pesquisas de opinião. Londres entrou em forma para atender ao desejo de Cameron em imitar Blair. O Conselho de Cooperação do Golfo e a Liga Árabe deram cobertura ao empreendimento numa mansa imitação de Israel em 1956.
Mas Kadafi não é Nasser, e Obama, dessa vez com poucos motivos para temer as consequências, pôde acompanhar a iniciativa. O protocolo de hegemonia exigiu que os Estados Unidos assumissem o comando nominal, permitindo que guerreiros como a Bélgica e a Suécia mostrassem o seu valor aéreo. Para o pessoal da era Clinton que permaneceu no atual regime americano, um bônus adicional será a reabilitação da intervenção humanitária, depois dos reveses no Iraque.
Os meios de comunicação e a intelectualidade francesa, como era de se prever, extasiaram-se com a restauração da honra da pátria nesse gênero de empreendimento. Mas mesmo nos Estados Unidos o cinismo está disseminado: o molho para o ganso líbio, visivelmente, não é o mesmo para o pato de Bahrein, ou qualquer outro.
Até o momento, nada disso alterou o panorama da revolta. Cautela com o poder do hegemônico, preocupação com aspectos nacionais, simpatia pelos rebeldes líbios, esperança de que o episódio acabe logo – tudo isso se combinou para emudecer as reações ao mais recente bombardeio pelo Ocidente. Mas não é de se esperar que a questão nacional continue indefinidamente separada da questão política e da social.
Para o mundo muçulmano a leste da agitação, as guerras americanas no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão ainda estão por serem vencidas, e o bloqueio do Irã ainda está longe da sua conclusão lógica. E, no centro da agitação, a ocupação da Cisjordânia e o bloqueio de Gaza continuam como antes. Até o mais moderado dos regimes democráticos pode achar difícil se isolar desses teatros de prepotência imperial e de selvageria colonial.
A maioria das nações do mundo árabe – exceto Egito e Marrocos – são criações artificiais do imperialismo ocidental. Mas, assim como na África Subsaariana e alhures, as origens coloniais não impediram que se cristalizassem identidades no interior das fronteiras artificiais desenhadas pelos colonizadores. Nesse sentido, toda nação árabe tem hoje uma identidade coletiva tão real e problemática quanto qualquer outra.
Há uma diferença, porém. Língua e religião, entrelaçadas em textos sagrados, foram – e são – historicamente fortes para caracterizar uma demarcação cultural que extrapola a imagem de cada estado-nação em particular. Esse ideal forjou o nacionalismo árabe – e não egípcio, iraquiano ou sírio.
Houve então a ascensão, a corrupção e o fracasso do nasserismo e do baathismo. Eles não ressuscitarão. Mas o impulso que fez com que existissem terá de ser recuperado, se a revolta se tornar uma revolução no mundo árabe. A liberdade e a igualdade precisam ser reconectadas. Mas, sem fraternidade, numa região tão difusamente maltratada e interligada, elas correm o risco de azedar.
Dos anos de 1950 em diante, pagou-se um preço muito alto, em termos de egoísmo nacional, para se obter algum progresso no Oriente Médio e no norte da África. O que se precisa não é a caricatura de solidariedade oferecida pela Liga Árabe, instituição cuja folha corrida de traições e de fracassos rivaliza com a da Organização dos Estados Americanos, a OEA, nos dias em que Fidel Castro, com toda a razão, a chamava de Ministério das Colônias americano. É necessário que exista um internacionalismo árabe generoso, capaz de visualizar – num futuro distante, quando o último xeque for derrubado – uma distribuição equitativa da riqueza do petróleo, proporcional à população, e não manter a monstruosa e arbitrária opulência de uns poucos, e a indigência desesperada de tantos outros.
No futuro mais imediato, a prioridade é simples: uma declaração conjunta de que o tratado abjeto que Sadat assinou com Israel está morto e enterrado –um tratado que arrasou os seus aliados em troca de um arranjo que não dá ao Egito sequer a soberania para mover seus soldados em seu próprio território; um tratado cujas implicações referentes à Palestina, desprezíveis em si mesmas, Israel nem sequer simulou cumprir. Eis aí o teste decisivo da recuperação da dignidade democrática árabe.