domingo, 6 de abril de 2014



ERA UMA VEZ...

Um menino
Que gostava de flâmulas
Gibis, bolas de gude
Peões, caixa de bugigangas
Tesouros, embaixo da cama.
Um menino
Que dançava rock
Para as primas olhar
Guaraná Frisante e lanchinho
Nos córregos pra pescar
Um menino
Levado, inventor, cowboy
Que não perdia matinê
Banho pelado nos açudes
Seriado de super-heróis
Um menino
Desbravador das florestas
Do fundo do quintal
Tarzan, super-homem
Capas de roupas do varal
Um menino
De imaginários inimigos
Espadas, pistolas de raios
Medo do escuro
Destemido diante do perigo
Um menino
Moleque, fora da linha
Mambembe, ator
Cunhado do amigo
Namorado da filha da vizinha
Ainda sou um menino
Nesta egocêntrica luta
Pária do vazio convencional
Que me fez poeta, chacal
Nesta pífia sociedade adulta.

Sempre sonhando, desde os tempos em que não sabia o que era imperialista, comunista, neoliberal, globalização e o escambau,  maravilhosa é a infância e a inocência.
Para a Neidi e a Neuzinha, as filhas da vizinha. 
Jaime Baghá.


Infância
Nunca achei interessante aquela conversa de que “no meu tempo é que era bom”. Acredito que todas as épocas em que as pessoas foram mais jovens sempre foram as melhores, com exceção de quem viveu num país em conflito ou teve uma infância muito pobre e sofrida, do contrário, todas as épocas são ótimas quando são crianças e jovens. Bem, sem querer apelar ou ser saudosista, a minha época teve algo especial, algo que não vejo hoje: a de ter muita arte e usá-la como forma de protesto,  acreditando muito nela para transformar o mundo, conforme eu relatei numa postagem neste blog  em 19/10/2010 com o título “O Despertar”, que foi a minha mudança de infantil para adolescente.
Agora, num momento de lembranças na solidão do meu pequeno cômodo onde leio, sonho, escrevo e escuto minhas músicas, lembrei-me da minha infância e faço um relato das brincadeiras de rua com os fatos principais do meu cotidiano  de menino. Lembro quando organizamos o primeiro time de futebol e a luta para comprar um jogo de camisetas. Fizemos vaquinhas, rifas e conseguimos comprar o fardamento, o nome do time foi Bonsucesso. A princípio eu fiquei na reserva, (nunca fui muito bom de bola), mas fiquei pouco tempo, logo o técnico passou e me jogou a camisa que coloquei com maior orgulho, entrei no campo olhando de soslaio para ver se meu pai estava me vendo, foi um momento extraordinário para um menino de 9 anos.
Uma boa brincadeira era jogar taco, neste eu era bom e preparava o meu taco sempre com uma madeira muito especial. O taco era lixado e minuciosamente preparado para bater na bolinha. Também era um bom jogador de peão (enrolava rápido a fieira), eu tinha uma caixa cheia com todos os modelos: os zunidores que giravam como se estivessem parados, sem tremer e faziam um barulho com a velocidade, zuniam; as batatinhas, peões pequenos e gorduchinhos, sem muito valor; e os tararacas que giravam pulando devido a um defeito na ponta.
Brincar de esconder (ou esconde-esconde) era sempre no fim da tarde e as meninas sempre participavam. Eu era também um exímio jogador de bolinha de gude. Uma vez meu pai comprou uma calça Far-West , um jeans azul grosso e forte que também chamavam de Brim Coringa (primeiro jeans brasileiro antes de chegar aqui a Levis). Assim poderia ajoelhar-me no chão de terra, sem rasgar as calças e melhor jogar as ganhas com a gurizada. Guardava as bolitas numa caixa em baixo da cama, separados os tipos de bolinhas: a joga ou a mais seca, que era a bolinha de melhor pontaria usada nos jogos; os pioquinhos, bolinhas pequena; os buzucão que eram as grandes e as águidas que era as coloridas. Ainda falando das bolinhas de gude, tinha também o aço, esfera de rolamento e o osso, feita de massa de vidraceiro, que a turma não aceitava para jogar as ganhas. 
O meu quartinho era enfeitado de flâmulas nas paredes, na cabeceira de minha cama, tinha um quadro com um anjo da guarda protegendo um menino de calças curtas e suspensório, vestimenta que eu usei até entrar no colégio. Ao lado da cama tinha um bidê com uma pilha de gibis: do Tarzan, do Cavaleiro Negro, do Capitão 7, do Fantasma, do Zorro, do Super-Homem, do Capitão Marvel, do Roy Rogers, do Gene Autry, e outros. Os gibis lidos eram trocados nas casas de meninos que também liam ou nas matinês de domingo. Na frente do cinema se reuniam muitos trocadores de gibis, sendo que algumas vezes terminava em pequenos desentendimentos por trocas feitas de maneira afoita e rápida (quando o filme já estava iniciando), sem dar uma olhada mais detalhada no interior do gibi e verificar folhas rasgadas ou que estavam faltando.
As histórias em quadrinhos me influenciaram a gostar de ler, ter senso crítico, estimulou a minha imaginação, a pegar gosto pelos livros e o hábito da leitura, que passei para minha família. Sempre junto um álbum de figurinhas do momento, com dois montinhos de figurinhas organizadas, um com as mais novas e difíceis para trocar e outro para jogar bafo. 
Em dias de vento se reuníamos para soltar pandorgas (pipa), que nos mesmos fabricávamos cada um com seu estilo, grandes e pequenas, coloridas, com roncador (franjas de papel coladas na pandorga). Eu adorava ficar segurando o fio, desafiando os ventos, ver a pandorga dançar, fazer manobras e olhar aquele colorido no longo fio que parecia colocar ela entre as nuvens.   
Com o passar dos tempos no começo da admissão para ir para o ginásio, mudamos nossos hábitos e o comportamento. Começamos a aceitar os convites das meninas para brincar de anéis na saída do colégio, uma brincadeira pueril e muito interessante, aonde aquele que acertava em qual mão estava o anel tinha como prêmio dar uma volta de mão dadas e ganhar ou dar um beijo da menina que escondia o anel. Ali se iniciava os primeiros namoros, as reuniões dançantes, o rock e um pouco da perda da inocência, uma ótima época para quem teve uma boa juventude.
Porém, inesquecível e maravilhosa foi a infância com suas descobertas, dos banhos pelados e pescarias nos rios que não eram poluídos, de brincar de mandrake, aonde o cara tinha que ficar paradinho feito estátua, até o outro pedir água (não valia muito castigo), das fogueiras de São João que a gurizada fazia e todas as famílias do bairro compareciam levando comidas típicas da época.
Uma época na qual ninguém andava armado, as professoras eram respeitadas, um vizinho podia chamar a nossa atenção como se fosse nosso pai e sem sombra de dúvida  éramos muito felizes. Às vezes eu fico  tentando achar encanto nesta gurizada que só olha o celular o dia todo em todos os lugares. Ficam ali, com olhos fixos, jogando, falando  ou comunicando via internet no seu telefone, andróide, aplicativos e tablets. Fico achando que eles deveriam ter um tipo de passatempo mais ativo menos alienado, mas para alguns, até tenho receio de falar, ficaram diferentes, mais invocados, intolerantes. Como disse Adélia Prado, vivemos numa época de desesperados, parece que o mau esta enraizado.  
Acho que estou ficando velho, careta e repetindo aqueles velhos da minha época que diziam: “no meu tempo é que era bom”. Bem, poderíamos não concordar com os velhos de nossa época, mas nós tínhamos um profundo respeito por eles. 
Jaime Baghá.



Na minha infância o céu a noite era como um quadro de Van Gogh