sexta-feira, 13 de janeiro de 2012


URBANOS

Escuto o som dos teus passos
Sorrio como um ator
Não engano mais meus sentidos
Procuro personagens
Para o disfarce.

Minha alegoria é hipócrita
E minha chances ilusórias
Como você
Na névoa da noite
Como o amor que bate em minha porta.

Gosto do seu tique
De assoprar o cabelo
Que cobre teus olhos
Você na névoa
Na luz como chamas
Me faz verdadeiro.

Abro os braços na noite
Na conformidade com o real
E você me abraça
Mancha minha camisa
Da maquiagem carregada.

O batom vermelho
Tem suave sabor
Cinta liga, saia de franja
Um velho passa
Com olhar de soslaio
Reflexos da luz
No teu rosto lânguido.

Meu coração te ama
Você lascíva
Estranha
Somos iguais nos enganos
Te sinto outra vez
Depois te abandono.

Num beco qualquer da metrópole – Jaime Baghá

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012


Os ideais da democracia e da liberdade chocam com o fato brutal da sugestibilidade humana. Um quinto de todos os eleitores pode ser hipnotizado quase num abrir e fechar de olhos, um sétimo pode ser aliviado das suas dores mediante injeções de água, um quarto responderá de modo pronto e entusiástico à hipnopédia. A todas estas minorias demasiado dispostas a cooperar, devemos adicionar as maiorias de reações menos rápidas, cuja sugestibilidade mais moderada pode ser explorada por não importa que manipulador ciente do seu ofício, pronto a consagrar a isso o tempo e os esforços necessários.

É a liberdade individual compatível com um alto grau de sugestibilidade individual? Podem as instituições democráticas sobreviver à subversão exercida do interior por especialistas hábeis na ciência e na arte de explorar a sugestibilidade dos indivíduos e da multidão? Até que ponto pode ser neutralizada pela educação, para bem do próprio indivíduo ou para bem de uma sociedade democrática, a tendência inata a ser demasiado sugestionável? Até que ponto pode ser controlada pela lei a exploração da sugestibilidade extrema, por parte de homens de negócios e de eclesiásticos, por políticos no e fora do poder?

A sugestibilidade Humana – Aldous Huxley





neoliberal
sonha um mundo higiênico:
um ecúmeno de ecônomos
de economistas e atuários
de jogadores na bolsa
de gerentes
de supermercado
de capitães de indústria
e latifundiários de
banqueiros
- banquiplenos ou
banquirrotos
(que importa?
desde que circule
auto-regelante
o necessário
plusvalioso
numerário)
um mundo executivo
de mega-empresários
duros e puros
mós sem dó
mais atento ao lucro
que ao salário
solitários (no câncer)
antes que solidários:
um mundo onde deus
não jogue dados
e onde tudo dure para sempre
e sempremente nada mude
um confortável
estável
confiável
mundo contábil.


6.
(a
contramundo
o mundo-não
-mundo cão-
dos deserdados:
o anti-higiênico
gueto dos
sem-saída
dos excluídos pelo
deus-sistema
cana esmagada
pela moenda
pela roda dentada
dos enjeitados:
um mundo-pêsames
de pequenos
cidadãos-menos
de gente-gado
de civis
sub-servis
de povo-ônus
que não tem lugar marcado
no campo do possível
da economia de mercado


7.
o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre - festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)

Haroldo de Campos