quinta-feira, 20 de agosto de 2009


O Torquato Neto era parecido com Ezra Pound

"Quando eu nasci
um anjo muito louco
Veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco
torto, com asas de avião
eis que esse anjo me disse apertando a minha mão
com um sorrisso entre dentes
vai bicho, desafinar
o coro dos contentes"
Torquato Neto


UNDERGROUND

Depois da esbórnia
Caiu no tapete
"Goin to California"
Fitando o teto
Com Page e Plant
Num repente
Sem mais
Nem menos
Respirando
O veneno
Dos seus labirintos
Pequenos
Virou de lado
Suspirou
Sorrio
E apagou.

Jaime Silva.

terça-feira, 21 de julho de 2009




SÍNCOPE

Toc-toc na aldrava
Noites de tempestade
Cães ladravam
uivavam
Toc-toc
Bateu em minha porta
Um espectro de capote
Chapéu contra luz
Escondia a face
Olho branco que reluz
Nada era como antes
Na mão não era uma cruz
Gadanho relampejante
Assim nada falou
Este macabro andante
Apenas me olhou
Como num verso de Poe
A minha sorte mudou
Me visitava Tanatos
Chegava a minha morte.

Minha homenagem a Edgar Allan Poe, representante do gótico americano de sentimentos a flor da pele, de morbidez e monomanias irracionais. A seguir a primeira estrofe do seu poema mais popular, "O Corvo" de 1845 e minha versão preferida em portugues feita por Fernando Pessoa.

"Numa meia-noite agreste, quando
eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências
ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que
parecia
O som de alguém que batia
levemente a meus umbrais.
Uma visita, eu me disse, esta
batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Se a modernidade é liquida, em liquidos também se encontram miasmas, então convém lembrar "Augusto dos Anjos", com sua poesia de conteúdo que subverte o pré-moderno, melancólico, de dor, horror e morte.

"Sou uma sombra! Venho de outras eras."

"Como um pouco de saliva quotidiana
Mostro meu nojo a natureza humana
A podridão me serve de evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!"

Uma das minhas preferidas - Jaime, inverno 2009.

"Os grandes poetas morrem em fumegantes penicos de merda." C. Bukowski.

CURRAL DE DEUS

Morro das Mortes meu paraiso
Meu despiste
Meu Auschwitz
Meu encanto perdido

Morro das Mortes que não me vê
Me aponta, me amarga
Zomba de minhas calças largas
Quero minha lata de Zyklon-B

Morro das Mortes as vezes nazista
De homens de muitas rezas
Que escondem a vida que levam
Conservadores, elitistas

Posses soberbas, incultas
Com máscaras feito artistas
De sedução e repulsa

Alguns meigos são meus
Outros sorrissos me assustam
Neste curral de Deus.

Jaime - inverno 2009

Minha província é meu paraiso, mas algumas vezes sofre o meu escárnio como um Bukowski depravado.

FUNERAL

Eu via
Entre a fresta da janela
Da sala fria
O cortejo fúnebre
Num dia húmido
De tons lúgubres.

Eu ouvia
Os passos acompanhantes
Um chiar de sapatos
Em compassos andantes
Cabisbaixos no asfalto.

Eu sentia
O peso do ataúde
Na troca de mãos
Compassivos e rudes
Como numa prova
Levavam o féretro
A caminho da cova.

Eu ouvia
Por entre névoas
A marca do esquife
O sino em repique
Uma parada macabra.

Eu via
Pela frincha o sineiro
No campanário
Um quasímodo ordinário
Funesto
Suado
Controlando o badalo.

Eu sentia
O frio do inverno
O nada eterno

Eu ouvia
O sibilar da morte
Do alísio do norte

Eu não vejo
Céu ou inferno
Apenas
Um dia menor
A falta de sorte
Flores e lutos
No séquito da morte.

Jaime, inverno de 2009.

Aos funerais que eu observava pela fenda da janela na cidade do interior.

segunda-feira, 20 de julho de 2009


Se o mundo tem Samuel Beckett, nós temos o Zé Limeira " O Poeta do Absurdo"

"Jesus foi Home de fama
Dentro de Cafarnaum …
Feliz da mesa que tem
Costela de gaiamum …
No sertão do cariri
Vi um casá de siri
Sem cumprimisso nenhum".
"Napoleão era um
Bom capitão de navio:
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio".
"Meu verso merece um rio
Todo enfeitado de coco,
Boa semente de gado,
Bom criatório de porco …
Dizia Pedro Segundo
Que a coisa melhó do mundo
É cheiro de arroto choco"
"É difice um home moco
Apredê pirnografia.
Um prefessô de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno
Judas só foi pró inferno
Promode a Virge Maria".
"São Pedro, na sacrïstia,
Batisou Agamenon …
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califon,
Montado na sua idéia,
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e piston".

Zé Limeira.

terça-feira, 19 de maio de 2009


"Tenho de proclamar a minha incredulidade. Para mim não há nada de mais elevado que a idéia da inexistência de Deus, o homem inventou Deus para poder viver sem se matar". Fiodor Dostoievski


Malucos e Oráculos


Não frequento oráculos
Na minha vida um obstáculo
Não vou aos oráculos
O fanático se torna máculo
Se isto é sabedoria
Na vida quero ser laico
Não visito oráculos
Tabernáculos
Ou tudo que lembre tentáculos.

quarta-feira, 6 de maio de 2009


"Aquilo que vivemos no sonho, e que vivemos repetidas vezes, termina por pertencer a economia global de nossa alma, tanto quanto 'realmente' vivido". Nietszche


O SONHADOR


Talvez eu equivocado
Trilhe a polêmica
Correndo certo caminhos tortos
Talvez a verdade não sejam os sonhos
E o mundo pertença aos demônios
O racional seja o mal
A luta pela sobrevivência
Seja além do animal
Isto, o natural
Talvez a natureza
Num erro de criação
Além dos dualistas
Criou o sonhador
Transformou-me em metáfora
Poeta
E, Eu e outros patetas
Vivemos o nada filosófico
Utopias
Mundos alternativos
No propósito do despropósito.

quinta-feira, 26 de março de 2009


ESCÓRIA

Uma cria parda, têz insalubre
Pai, um pária, amante dos destilados
Mãe, vida fácil, amante dos desvairados
Vida bastarda, trejeitos rudes

Vai conhecer outro sujo, bastardo
Tal qual o pai, confraria dos pulhas
Assim como a mãe, madame amargura
Para o moto-contínuo dos desgraçados

Acostuma-te a vida miserável
Ao desdém dos bem nascidos intragáveis
Pega os restos que te são oferecidos

Revolta-te contra o estado que te marca
Saqueia e mata o carrasco de tua via sacra
Ou ora a teu deus na procissão dos esquecidos

*Imagens: Paulo Freire, Bertold Brecht, P. J. Proudhon, Eduardo Galeano


A TEMPESTADE *

Eis o progresso
A abjeção dos afortunados
Dos vampiros abastados
E o resto?

Eis o resto, indecisos
Aumentando o lixo
Vivendo feito bixos
Marginais dos ventos do paraíso

Eis os malditos
De vida chifrin
Amontoando detritos

Eis a escória
Do Querubim de Benjamin
O anjo da história.

Olhando o lixo, como Walter Benjamin e sua visão do quadro de Paul Klee "Angelus Novus".
"Aquilo a que chamamos de progresso é este vendaval".

*Imagens: Walter Benjamin e o quadro de Paul Klee "Angelus Novus"

A NOSTALGIA DA LAMA *

Frequentei o Bar dos perdidos
Em conversas de subterrâneos
Acatando a razão dos enganos
Entre bêbados, drogados e esquecidos

Visitei a escória das bacantes pobres
Em meio a caterva dos indecentes
Laudanos, bebidas, amor ardente
Nunca achei companhias tão nobres

Amei o tugúrio dos edonistas
O doce prazer que engana
Os decadentes artistas

Sou o poeta devasso
A nostalgia da lama
O social em descompasso.

Como sempre amei os subterrâneos.

Minha homenagem a "Nostalgie de La Boue" de Baudelaire.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009


ALMA BEAT

Por que nasci?
Para dizer confesso que vivi?!
Que vida é essa?
Que tenho vivido!
Se vou perdendo quem amo
Um a um
Os amigos queridos.
Ganho depressa a velhice
O desdém da sociedade hipócrita
Que só vê a sandice
Até perder a minha vida
Sem um mais.
Mas se o nada é nada!
E nascemos para perder!
Eu quero mais!
Para amar esse único
Existencialismo telúrico.
Quero fugir desse tédio
Como um beat rebelde!
Vagabundo sem remédio.
Quero a estrada
Como um Kerouac iluminado
Transgredir o melhor
No niilismo asfaltado.
Quero a vida!
Enquanto vida!

Para os Kerouacs, Ginsbergs, Burroughs e outros que insistem em ser vagabundos.

Baghá, outono de 2005.

Martin Chambi fotógrafo inca, olhando as ruínas de Machu Picchu.

Sou um Latino

Sou um latino que sonha no mar
Medito nos alcantis
Persigo o amar
Um pouco infeliz com a cultura vulgar
Maldito de pensamentos a vagar.
Sou um latino maluco
De subterrâneos
Ecológico
Caminhante das matas
Que observa oceanos.
Sou um Latino cabelo ao vento
Que curte os alísios
Artes, óperas, absurdos
Ditirambos de Dionísio.
Sou um latino alegre
De povo infeliz
Cético, existencialista
Foi Deus quem quis.
Sou um latino de mídia
Da moda
Sem história
Algumas vezes burguês
Noutra, escória.
Sou um latino persistente
Com muita razão
Filósofo, sensível
Marginal, sobrevivente.
Sou latino que sabe da dor
De pátria bandida
Pardo, homem de cor
Que não tem diferença
Apenas uma leve ausência
Um engano
Um poeta esquecido
Que houve blues, jazz
Tom, Chico, Caetano
E outros legais
De tons genias.

Baghá, outono de 2005.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009




POLI

Rejeito a sociedade onde vivo
Com seus homens vêzos
Malvados e falsos
De coração sujos.

Repudio este meio
De educação midiática
Onde bem menos que meio
Vivem o meio termo

Recuso este coletivo
Canalha, estulto
Que encastela, encarcera
Com ódio e susto

Dêem-me as ruas das cidades
Meus parques e vitrines
Artes e magazines
A minha liberdade!

Baghá, verão de 2009.

Falando de Poli lembrei Metrópolis de Fritz Lang. A única semelhança dos meus versos com o expressionismo é uma certa visão anti-romantismo do mundo de guerras e violências.