sábado, 22 de outubro de 2011

"Os amiguinhos americanos" - Banski

A TERRA DAS OPORTUNIDADES

"Tudo o que vale a pena ser dito sobre o modo de viver americano posso colocar em trinta páginas. Topograficamente, o país é magnífico — e aterrador. Por que aterrador? Porque em nenhum outro lugar do mundo o divórcio entre homem e natureza é tão completo. Em nenhum lugar encontrei uma trama de vida tão sem graça e monótona como aqui na América. O tédio aqui atinge seu pico.

Estamos acostumados a pensar em nós mesmos como um povo emancipado. Dizemos que somos democráticos, amantes da liberdade, livres de preconceitos e ódio. Aqui é o cadinho, o sítio do grande experimento humano. Belas palavras, cheias de sentimento nobre e idealista. Na verdade, somos uma turba vulgar e opressiva cujas paixões são facilmente mobilizadas por demagogos, jornalistas, charlatães religiosos, agitadores e que tais. Chamar isto aqui de sociedade de povos livres é uma blasfêmia. O que temos a oferecer ao mundo além da superabundante pilhagem que com total indiferença arrancamos da terra sob a maníaca ilusão de que essa atividade insana representa progresso e iluminação? A terra da oportunidade transformou-se em terra do suor e do esforço sem sem sentido."
Henry Miller - "Pesdadelo Refrigerado"



" Se houvesse um homem que ousasse dizer tudo quanto pensa deste mundo, não restaria um palmo quadrado de terra onde ficar. Quando um homem aparece, o mundo cai sobre ele e quebra-lhe a espinha. Restam sempre em pé pilares apodrecidos demais, humanidade supurada demais para que o homem possa florescer. A superestrutura é uma mentira e o alicerce é um medo enorme e trêmulo. Se com intervalos de séculos aparece um homem de olhar desesperado e faminto, um homem que vira o mundo de cabeça para baixo a fim de criar uma nova raça, o amor que ele traz ao mundo é transformado em fel e ele se torna um flagelo. Se de vez em quando encontramos páginas que explodem, páginas que ferem e queimam, lágrimas e pragas, sabemos que elas provêm de um homem com as costas na parede, um homem cuja única defesa restante são suas palavras, e suas palavras são sempre mais fortes que o peso mentiroso e esmagador do mundo, mais fortes que todos os ecúleos e rodas que os covardes inventam para esmagar o milagre da personalidade. Se algum homem ousasse traduzir tudo quanto há em seu coração, expressar o que é realmente sua experiência, o que é realmente sua verdade, penso que o mundo se despedaçaria, que se reduziria a pedacinhos e nenhum deus, nenhum acidente, nenhuma vontade poderia jamais reunir novamente os pedaços, os átomos, os elementos indestrutíveis que entraram na formação do mundo..."
Henry Miller - "Trópico de Câncer"


domingo, 9 de outubro de 2011



EXTREM IDADE

Ele caminha pela casa escura

por entre corredores e cômodos escuros.

No criado mudo

assim como ele na inibição psíquica

suas camisas desbotadas

penduradas como em ganchos num açougue.

Olha seu reflexo na água do bacio

vê sua face

um rosto velho na casa escura

no interregno do pouco para o miserável.

Não ousa sair para o dia na rua

quer ficar olhando o nada

vendo seus quadros

seus antiquários

seus livros

seus filmes europeus

seus hebdomadários anarquistas

nos sarcófagos de madeiras tristes

assim como a cariátide do antigo relógio

olhando o nada.

Assim como ele

indo ao nada

se cuidando prá nada

se poupando prá nada.

Seus caminhos estão parando

na soleira da janela

nas folhas secas que caíram

do seu ipê amarelo.

Seu caminhar esta parado

sentado a beira da cama

olhando o velho baú

abarrotado de reminiscências.

Sombrio pensa em sair

para a luz

para o dia

porém cada vez mais

procura os labirintos

escuros dos aposentos.

Perdeu o prazer dos caminhos

na analogia do poeta

“caminante, no ai camino”.

Breve não caminhará mais

só olhará o breu de sua breve existência

até a luz apagar-se na fresta de sua mente

para por fim esta estrada longa

de caminhos curtos.

Quando começou a caminhar

a pensar

a ver

seus caminhos acabaram

dentro dos corredores escuros

da velha casa...

Sozinho...


Jaime, antes de tomar o remédio – inverno 2011

Para o meu Lódi querido que procura caminhos.