domingo, 20 de julho de 2014

José Saramago, escritor e poeta português

A CONFRARIA

Fiquei ali olhando o nada
Com vermes envolvidos em preces
Estranhos a minha espécie
Sublimando o que não me agrada

Fiquei ali, alhures, perdido
Entre fantasmas sociais
Como cipaios animais
Entre muitos, escondido.

Fiquei ali numa ficção
Olhando a xenofobia em ação
Na frialdade dos injustos

Que ventre produziu estranhos partos
De vermes obscuros e falsos
Como um soneto de Augusto.

 Olhando a conjunção política-religião da pequena província, lembrei-me de Augusto dos anjos.  
Jaime Baghá


Durante toda a minha vida as pessoas mais inteligentes que conheci não professavam doutrinas religiosas, e sempre demonstraram um caráter de bondade, segurança, sabedoria e justiça. Em muitos religiosos vi a cobiça, inveja, maldade e  ignorância. 

Vendo os anais da história sei que as piores guerras e as mais sangrentas foram em nome de Deus, e é em nome dele que as guerras ainda continuam, caso tivermos uma terceira guerra mundial, tudo nos leva a acreditar que será também em nome de Deus.

Desde as pequenas províncias interioranas até o maior escalão político do meu país eu vejo uma ascensão das bancadas religiosas, isto me causa o temor de uma teocracia, do fanatismo e dos desentendimentos sociais, desviando os caminhos de uma democracia.

Se existe um Deus onipotente, porque criou filhos desta natureza e porque filhos desta natureza criaram Deuses para roubar e matar? Independente do credo, toda a nossa sorte esta nas mãos dos homens e na sua cultura, abominando todas as formas de ignorância. Deus, se alguém acredita, que sirva só para consolar seus infernos interiores.

Sds. Jaime Baghá


Augusto dos Sanjos, poeta brasileiro

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!

 Augusto dos anjos.


VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

 Augusto dos Anjos

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