domingo, 3 de abril de 2022


 ERA UM GAROTO QUE COMO EU...

Eu tinha quinze anos e usava uma calça tão justa que o pé quase não podia entrar e alisava o meu cabelo para ficar parecido com os cantores da época, com uma franja que os meus cabelos crespos não ajeitavam. Namorava a filha da vizinha e íamos ao cinema na matinê assistir os filmes de John Ford com o John Wayne correndo para salvar a mocinha em perigo, ou os melosos filmes italianos do Gianni Morandi que fazia eu e a namorada encher os olhos de lágrimas de mãos dadas, ou com o riso solto com os filmes da Atlântida com Oscarito, Grande Otelo, Anselmo Duarte, Lana Bitencourt e gostava do seriado do Durango Kid que antecedia o filme. Festa era reunião dançante em casa, nas garagens embaladas por Roberto Carlos, Renato e seus Blue Caps, Beatles e outros.

Comecei a perder a inocência com a chegada do movimento Hippie e toda sua rebeldia e logo tínhamos o tropicalismo com suas letras inteligentes e questionadores. Nunca mais fui o mesmo, ia para o Parque da Redenção em P. Alegre me juntar aos Hippies e ver as meninas com suas roupas coloridas e flores nos cabelos dançar no gramado. Nunca mais fui o mesmo e meus cabelos puderam voltar ao normal, crespos, longos e desgrenhados eram um sucesso da moda, que combinavam com minha calça e jaqueta Lee que comprávamos de contrabando no cais do porto até a primeira  loja aparecer vendendo na cidade. Para estar mais ligado ao movimento comprávamos roupas na Boutique Lixo que segundo diziam, vinham de navios do Vietnã. Usávamos estas roupas militares americanas, para confrontar numa rebeldia a ditadura. Meu pai começou a ficar preocupado e os vizinhos falavam da moda, das danças esquisitas (separados), dos cabelos compridos, das roupas fora dos padrões e do cheiro de maconha nas esquinas.  Como os comportados ainda era a grande maioria, sentíamos que éramos uma espécie de privilegiados por entender as letras das músicas, dos horrores das mortes dos jovens na guerra do Vietnã. Éramos uma espécie que entendia os protestos e as letras que Chico Buarque estava cantando e se embalar com Janis Joplin e Hendrix. Alguns mais intelectualizados tinham um pé em Miles Davis, Charlie Parker e a poesia Beat. Eu nunca mais fui o mesmo e gostei muito de ter passado por isto, curtir Porto Alegre a noite, ir  no Bar Escaler no Bairro Bom Fim e apesar de bem jovem, conhecer a “Esquina Maldita” pra ouvir um pouco de política e de viver diferenciado numa época que me tornou diferente para todo o sempre e sem querer ser saudosista, acho que o mundo deveria ter continuado uma época de Aquarius, pois não acho legal este modernismo sem romantismo em que o cara já nasce transando e dando porrada

Pequena crônica  de um jovem feliz. Jaime Baghá

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