sábado, 30 de abril de 2011

MUTAÇÃO

O vento brando
Do Morro das Mortes
Entravam em minha janela
Aeolus em tom de prosa
Tocava os cristais da porta
Numa música silenciosa.

Num repente
Da brisa suave o revés
Tudo enfurece
Com raios fuzilando
Em noites loucas de dormir
Ou então ficar vagando.

Vendavais que me embalam
Torvelinhos
Coriscos
Que iluminam a praça
Transformam-me em fantasma
Um espectro na vidraça.

Eu a beira do vento
O Morro das Mortes me chama
Loucos Deuses
Loucos ventos
Loucos
Eu e o tempo.

A loucura e o fascinio de observar temporais e o outeiro iluminado pelos raios, Morro das Mortes, primeiro nome do meu pequeno município, diante do quadro lembrei Clarice, numa noite de bruxas. – Jaime Baghá

* “Eu a beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama”, Clarice Lispector. Para além da orelha existe um som...




Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou.
À ponta do lápis o traço.
Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.
Na ponta dos pés o salto.
Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou.
Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. E para lá que eu vou.
Na ponta da palavra está a palavra. Quero usar a palavra "tertúlia" e não sei aonde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois - depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio.
Não sei sobre o que estou falando. Estou falando de nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.
É para o meu pobre nome que vou.
E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. Eles me responderão. Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.

Clarice Lispector

Um comentário:

A Homilia disse...

O contraste existente entre a simplicidade da vida no Morro da Morte e a complexidade da memória é forjado em rimas nas palavras do Baghá e nos aproxima do outrora. O sabor que vem aos lábios do Baghà ao lembrar desse tempo deve ser impossível ser descrito, porém a visão dessa comunidade nos surge e esse sim é o único sentido permitido. Sinto saudade do papo fácil e sempre agradável do Baghá... Abracos!