O MENINO E
A DITADURA
Eu também não sabia bem o que estava ocorrendo,
só via os jatos dando voos rasantes e de maneira muito intensa, o
colégio que eu estudava ficava nos fundos do campo de pouso
da aeronáutica, Colégio Agrícola Daniel de Oliveira Paiva (CADOP)
e tínhamos um grêmio estudantil, com um presidente chamado Paulo Guedes.
Paulo tinha uma liderança muito forte, com ele aprendemos a ver com outra ótica
as questões políticas, e começamos a entender o que estava acontecendo.
De uma maneira pueril entendíamos que os
militares eram os malvados e os perseguidos os mocinhos. Com toda esta
carga de irracionalidade dos militares eu só não entrei para nenhum grupo contrário
porque não tinha conhecidos muito atuantes, era um menino e
nossa contestação se reduzia a um pequeno grupo de amigos que faziam parte
do teatro amador.
Num belo dia, próximo das férias, chegaram
os militares no colégio para falar sobre nosso alistamento, foi a gota d'água,
demos uma violenta vaia no tenente e dissemos que não queríamos armas e nem
aprender a torturar e matar estudantes, a coisa ficou preta, este tenente
arregalou os olhos, deu uma violenta descompostura na turma e no meu caso
especial por ser o metido, disse que ia me pegar, ameaçou outros da mesma
maneira e foi novamente vaiado. O alistamento não terminou em detenção porque
éramos menores, mas deixamos o diretor em maus lençóis e o Paulo
Guedes do Grêmio Estudantil sumiu por um tempo. A situação ficou tão horrível
que não ganhamos nossa carteira, a famosa terceira que dava dispensa de
servir as forças armadas. Não pude jurar a bandeira (se o tenente me visse estava
ferrado), meu pai me enviou para umas férias na casa do vô João em Santa
Catarina. O meu avô Chico (parte de mãe) que era muito político, conseguiu a
minha famosa terceira com o Deputado Brusa Netto de Porto Alegre, e eu sempre
de olho, durante muito tempo me cuidando
do tal tenente.
Bem a
pouco tempo tive noticias que o Paulo Guedes morreu, trabalhou numa
multinacional, político e prefeito de
um município do interior do Rio Grande do Sul. Eu me transformei
num leitor dos escritores marxistas, história, filosofia e sociologia, aprendi
que um não pode comer e o outro ficar olhando, entendi a ver melhor que a
transformação da sociedade só poderá acontecer e se caracterizar
pela ideia através da distribuição equilibrada de
riquezas e propriedades, diminuindo a distância entre ricos e pobres. Encontrei
o pessoal da esquerda festiva (como dizia o Lacerda) e nunca mais fui o mesmo e
se alguma coisa valeu na minha vida foi esta transformação, que me ensinou a
gostar de poesias, arte, músicas de qualidade, sensibilidade e mais humano,
"demasiado humano" como dizia Nietszche. Sds. Jaime
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