ARIANO SUASSUNA
Eu particularmente acho que
Ariano não morreu, acho que foi viver no mundo mágico dos seus personagens. Tenho
certeza de que ele foi recebido pela Compadecida (Nossa Senhora), por Emanuel (O
Cristo Negro), Dom Pedro Dinis Quaderna, o Palhaço, Chicó, João Grilo e até
Severino (Gangaceiro) e o Encourado Diabo, entre Anjos carregando a “Pedra do
Reino”, e todos seus personagens e outros que um dia também irão partir, como
nós, o povo brasileiro. Ariano defendendo a cultura dizia: “não troco meu ‘oxente’
pelo ok de ninguém”, assim como nós no sul não trocamos o nosso “mas bah tche”
também, necessitamos muito viver a nossa própria cultura e nisso Ariano foi o
mestre.
Tem um texto de Matias Aires que
Ariano leu para o público, a “Carta para Ariano” que Matheus Nachtergaele lhe
enviou e um texto de Idelber Avelar sobre Chico Science que gosto muito e
reproduzo para vocês.
Jaime Baghá.
Ariano Suassuna leu para o público um texto de Matias Aires:
“Quem são os homens mais do que a aparência de teatro? A
vaidade e a fortuna governam a farsa desta vida. Ninguém escolhe o seu papel,
cada um recebe o que lhe dão. Aquele que sai sem fausto nem cortejo e que logo
no rosto indica que é sujeito à dor, à aflição, à miséria, esse é o que
representa o papel de homem. A morte, que está de sentinela, em uma das mãos
segura o relógio do tempo. Na outra, a foice fatal. E com esta, em um só golpe,
certeiro e inevitável, dá fim à tragédia, fecha a cortina e desaparece”.
“Carta para Ariano,
Quem te
escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que
te sente todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. Toda vez que
alguém, homem, mulher, criança ou velho, me acena sorrindo e nos olhos
contentes me salva da morte ao me ver Grilo.
Esse que
te escreve já foi cavalgado por loucos caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que
insistia na pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édipo de talento
transbordante e melancólicas desculpas. Fui domado por cavaleiros de
Sheakespeare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes cavalgado por Dias Gomes.
Adentrei perigosas veredas guiado por Carrière, por Büchner e Yeats. Mas de
todos eles, meu favorito foi teu Grilo.
O Grilo
colocou em mim rédeas de sisal, sem forçar com ferros minha boca cansada.
Sentou-se sem cela e estribo, à pelo e sem chicote, no lombo dolorido de mim e
nele descansou. Não corria em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem de bom
pasto, uma várzea verde entre a secura dos nossos caminhos. Me fazia sorrir
tanto que eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu era feliz e magro e
desdentado e inteligente. Eu deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal percebia
a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. O amor que já sentia por ele, e
por você, Ariano.
Depois do
Grilo de você, e que é você, virei cavalo mimado, que não aceita ser domado,
que encontra saídas pelas cêrcas de arame farpado, e encontra sempre uma
sombra, um riachinho, um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me levaram
para onde há verde gramagem eterna. Fui com vocês para a morada dos corações de
toda gente daqui desse país bonito e duro.
Depois do
Grilo de você, que é você também, que sou eu, fui morar lá no rancho dos
arquétipos, onde tem néctar de mel, água fresca e uma sombra brasileira, com
rede de chita e tudo. De lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e
coloridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na cadeira de balanço de
palhinha, contando, todo elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um beijo,
meu melhor cavaleiro.
Teu,
Matheus Nachtergaele".
“Ariano Suassuna era um tradicionalista, reacionário no sentido
estritamente etimológico da palavra (ou seja, propugnava mesmo que a saída era
que se girasse para trás a roda da História) e combateu durante anos o mangue
beat. Os amigos pernambucanos da minha geração se lembram: ele se recusava a
dizer "Chico Science". Pra ele era "Chico Ciência". E
acusava o mangue beat de desnacionalizar a música nordestina e tudo o
mais.
Até que naquele fatídico 02 de fevereiro de 1997, Chico bateu o carro da
irmã no caminho que ele fazia tantas vezes, entre o Recife e Olinda. Foi o
domingo em que todas as nações do maracatu desfilaram em silêncio. E lá estava
Ariano, carregando o caixão de Chico Science, chorando copiosamente,
desesperado.
Essa imagem, de Ariano Suassuna chorando enlouquecido enquanto carregava
o caixão do "Chico Ciência" que ele tanto havia combatido, é para mim
uma das mais fortes da cultura brasileira. E é a imagem de Ariano que fica pra
mim”.
Idelber Avelar
Um comentário:
Belo texto!!! Abraços!!!
Postar um comentário