ERA UMA VEZ...
Um menino
Que gostava de flâmulas
Gibis, bolas de gude
Peões, caixa de bugigangas
Tesouros, embaixo da cama.
Um menino
Que dançava rock
Para as primas olhar
Guaraná Frisante e lanchinho
Nos córregos pra pescar
Um menino
Levado, inventor, cowboy
Que não perdia matinê
Banho pelado nos açudes
Seriado de super- heróis
Um menino
Desbravador das florestas
Do fundo do quintal
Tarzan, super-homem
Capas de roupas do varal
Um menino
De imaginários inimigos
Espadas, pistolas de raios
Medo do escuro
Destemido diante do perigo
Um menino
Moleque, fora da linha
Mambembe, ator
Cunhado do amigo
Namorado da filha da vizinha
Ainda sou um menino
Nesta egocêntrica luta
Pária do vazio convencional
Que me fez poeta, chacal
Nesta pífia sociedade adulta.
Sempre sonhando, desde os
tempos em que não sabia o que era imperialista, comunista, neoliberal,
globalização e o escambau, maravilhosa é
a infância e a inocência.
Para a Neidi e a Neuzinha, as filhas da vizinha.
Jaime Baghá.
Infância
Nunca achei interessante aquela
conversa de que “no meu tempo é que era bom”. Acredito que todas as épocas em
que as pessoas foram mais jovens sempre foram as melhores, com exceção de quem
viveu num país em conflito ou teve uma infância muito pobre e sofrida, do
contrário, todas as épocas são ótimas quando são crianças e jovens. Bem, sem
querer apelar ou ser saudosista, a minha época teve algo especial, algo que não vejo
hoje: a de ter muita arte e usá-la como forma de protesto, acreditando muito nela para transformar o
mundo, conforme eu relatei numa postagem neste blog em 19/10/2010 com o título “O Despertar”, que
foi a minha mudança de infantil para adolescente.
Agora, num momento de lembranças na
solidão do meu pequeno cômodo onde leio,
sonho, escrevo e escuto minhas músicas, lembrei-me da minha infância e faço um
relato das brincadeiras de rua com os fatos principais do meu cotidiano de menino. Lembro quando organizamos o
primeiro time de futebol e a luta para comprar um jogo de camisetas. Fizemos
vaquinhas, rifas e conseguimos comprar o fardamento, o nome do time foi
Bonsucesso. A princípio eu fiquei na reserva, (nunca fui muito bom de bola),
mas fiquei pouco tempo, logo o técnico passou e me jogou a camisa que coloquei
com maior orgulho, entrei no campo olhando de soslaio para ver se meu pai
estava me vendo, foi um momento extraordinário para um menino de 9 anos.
Uma boa brincadeira era jogar taco, neste eu
era bom e preparava o meu taco sempre com uma madeira muito especial. O taco
era lixado e minuciosamente preparado para bater na bolinha. Também era um bom
jogador de peão (enrolava rápido a fieira), eu tinha uma caixa cheia com todos
os modelos: os zunidores que giravam como se estivessem parados, sem tremer e
faziam um barulho com a velocidade, zuniam; as batatinhas, peões pequenos e
gorduchinhos, sem muito valor; e os tararacas que giravam pulando devido a um
defeito na ponta.
Brincar de esconder (ou esconde-esconde) era
sempre no fim da tarde e as meninas sempre participavam. Eu era também um exímio
jogador de bolinha de gude. Uma vez meu pai comprou uma calça Far-West , um
jeans azul grosso e forte que também chamavam de Brim Coringa (primeiro jeans
brasileiro antes de chegar aqui a Levis). Assim poderia ajoelhar-me no chão de
terra, sem rasgar as calças e melhor jogar as ganhas com a gurizada. Guardava
as bolitas numa caixa em baixo da cama, separados os tipos de bolinhas: a joga
ou a mais seca, que era a bolinha de melhor pontaria usada nos jogos; os
pioquinhos, bolinhas pequena; os buzucão que eram as grandes e as águidas que
era as coloridas. Ainda falando das bolinhas de gude, tinha também o aço,
esfera de rolamento e o osso, feita de massa de vidraceiro, que a turma não
aceitava para jogar as ganhas.
O meu quartinho era enfeitado de
flâmulas nas paredes, na cabeceira de minha cama, tinha um quadro com um anjo
da guarda protegendo um menino de calças curtas e suspensório, vestimenta que
eu usei até entrar no colégio. Ao lado da cama tinha um bidê com uma pilha de
gibis: do Tarzan, do Cavaleiro Negro, do Capitão 7, do Fantasma, do Zorro, do Super-Homem,
do Capitão Marvel, do Roy Rogers, do Gene Autry, e outros. Os gibis lidos eram
trocados nas casas de meninos que também liam ou nas matinês de domingo. Na
frente do cinema se reuniam muitos trocadores de gibis, sendo que algumas vezes
terminava em pequenos desentendimentos por trocas feitas de maneira afoita e
rápida (quando o filme já estava iniciando), sem dar uma olhada mais detalhada
no interior do gibi e verificar folhas rasgadas ou que estavam faltando.
As histórias em quadrinhos me influenciaram a
gostar de ler, ter senso crítico, estimulou a minha imaginação, a pegar gosto
pelos livros e o hábito da leitura, que passei para minha família. Sempre junto
um álbum de figurinhas do momento, com dois montinhos de figurinhas
organizadas, um com as mais novas e difíceis para trocar e outro para jogar
bafo.
Em dias de vento se reuníamos para
soltar pandorgas (pipa), que nos mesmos fabricávamos cada um com seu estilo,
grandes e pequenas, coloridas, com roncador (franjas de papel coladas na
pandorga). Eu adorava ficar segurando o fio, desafiando os ventos, ver a
pandorga dançar, fazer manobras e olhar aquele colorido no longo fio que
parecia colocar ela entre as nuvens.
Com o passar dos tempos no começo
da admissão para ir para o ginásio, mudamos nossos hábitos e o comportamento.
Começamos a aceitar os convites das meninas para brincar de anéis na saída do
colégio, uma brincadeira pueril e muito interessante, aonde aquele que acertava
em qual mão estava o anel tinha como prêmio dar uma volta de mão dadas e ganhar
ou dar um beijo da menina que escondia o anel. Ali se iniciava os primeiros
namoros, as reuniões dançantes, o rock e um pouco da perda da inocência, uma
ótima época para quem teve uma boa juventude.
Porém, inesquecível e maravilhosa foi a
infância com suas descobertas, dos banhos pelados e pescarias nos rios que não
eram poluídos, de brincar de mandrake, aonde o cara tinha que ficar paradinho
feito estátua, até o outro pedir água (não valia muito castigo), das fogueiras
de São João que a gurizada fazia e todas as famílias do bairro compareciam
levando comidas típicas da época.
Uma época na qual ninguém andava
armado, as professoras eram respeitadas, um vizinho podia chamar a nossa atenção
como se fosse nosso pai e sem sombra de dúvida
éramos muito felizes. Às vezes eu fico
tentando achar encanto nesta gurizada que só olha o celular o dia todo
em todos os lugares. Ficam ali, com olhos fixos, jogando, falando ou comunicando via internet no seu telefone,
andróide, aplicativos e tablets. Fico achando que eles deveriam ter um tipo de
passatempo mais ativo menos alienado, mas para alguns, até tenho receio de
falar, ficaram diferentes, mais invocados, intolerantes. Como disse Adélia
Prado, vivemos numa época de desesperados, parece que o mau esta
enraizado.
Acho que estou ficando velho,
careta e repetindo aqueles velhos da minha época que diziam: “no meu tempo é
que era bom”. Bem, poderíamos não concordar com os velhos de nossa época, mas nós
tínhamos um profundo respeito por eles.
Jaime Baghá.
Na minha infância o céu a noite era como um quadro de Van Gogh |
2 comentários:
li tua historia tuas lembranças...e vivi cada uma delas...aqueles tempos eram bons ,apesar da severidade dos pais...eles eram quadrados como somos hj...lembro do campinho de futebol atraz da minha casa ...ali meninos corriam atraz da bola...tinham sonhos...mas eram sonhos de gente inocente...nao como agora...inocencia passa longe...parabens as tuas lembranças fizeram me voltar aos meus tempos antigos...
Jaime a tua infância se pareceu muito com a minha. Daí que fiz um arquivo com o teu texto, que poderei publicar como minha infância, mas com tua autoria.
Parabéns.
Airton Fischmann
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