Criança geopolítica observando o nascimento do homem novo - Salvador Dalí |
A CRÍTICA E A PRÁTICA
Caro amigo, vi teu belo
discurso em defesa dos pobres e fiquei pensando o que significa o pensamento
crítico nos dias de hoje? De que maneira essa noção, que outrora
identificávamos facilmente com nomes como o de Sartre, dos membros da Escola de
Frankfurt, de Frantz Fanon ou também com certos pensadores comprometidos da
América Latina; transformou-se (alguns dizem que desapareceu) juntamente com as
profundas alterações que o mundo vem sofrendo. Uma
transformação que se utilizou de discursos que outrora foram utópicos e de
ideais libertadores para hoje colonizar a totalidade do mundo, da vida até seus
recônditos mais íntimos, sob a lógica matricial de fetichismo da mercadoria, a
verdadeira metafísica do capital. Capital que em comparsa com a mídia e o “Deus
Sony” na sala de tua casa, faz com que o novo crítico fale como um libertário,
mas não abre mão do acúmulo do vil metal e de certa forma do poder. Como disse
Foucault sobre o poder: “e de que outras coisas estão falando, senão de poder?”
Você faz o que prega?
Você é tão libertário quanto discursa? Caro amigo, a irracionalidade
instrumental do capital, “não apenas cria objetos, mas sim sujeitos para esse
objeto” (Horkheimer e Adorno). Então
você tem a luta e o belo discurso em mente; mas, sem sentir que é comandado, vive
um quadro social que a sua profissão e sua “posição” exige e esquece a luta.
Você pode falar e querer mostrar que sair do capitalismo é o suficiente para
conseguir escapar da “jaula de ferro” do capital, isto é um engano. A modernidade,
essa lógica cultural do capitalismo, gira sobre a redução do político a
política, do crítico a crítica e o sociometabolismo do capital engoliu você e
sua própria máquina de pensar. Às vezes você com conhecimento pode até ser um
bom crítico, mas cá pra nós, seu discurso é falso, é político, é só para
impressionar os miseráveis, amigos de páginas sociais e seus amigos de
banquetes. Nesses momentos o capital ainda não continua falando mais alto?
Ainda mais para os
jovens mais ambiciosos vindos da tua mesma genealogia. Estes jovens chamam a si
mesmo de revolucionário, e até libertário. Porém, nunca leram ou desde os
tempos da faculdade não colocaram mais os olhos num livro de Marx, de Hobsbawn,
de Gramsci ou Brecht, e nunca ouviram falar de Bauman ou Zizek. Este é o famoso
“Marxismo sem proletariado”, que está ocupado demais em acumular riqueza,
sobreviver maravilhosamente bem e manter seu status quo. Seu
intervencionismo urbano, suas esmolas, suas fotografias fazendo caridade, publicações
mostrando uma “moral”. Seu discurso comove seus pares, e mesmo não sendo
resplandecente vai formando uma base moral hipócrita da apologia da caridade.
Esta é a vil e humilhadora esmola que chega até as colunas sociais.
Bem, tudo isso é para
dizer para você que seu discurso filantrópico não combina com você e muito
menos com o salário que você paga aos seus funcionários. Às vezes, como amigo,
penso que você é bem-vindamente radical, quase me impressiona, é até simpático falando.
Mas, é impotente para nos representar e amorfamente inarticulável dentro do
processo político do oprimido, um embuste apenas para comover sua confraria que
tem os mesmos discursos e atitudes.
Sds. Jaime
Baghá - Observando o amigo burguês e sua
pantomima altruísta.
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